quinta-feira, 26 de abril de 2018

JAINISMO E OS ANIMAIS - por Jean Nakos


JAINISMO E OS ANIMAIS

Por Jean Nakos

Já houve quem dissesse que as religiões são os piores inimigos dos animais. Isso não é inteiramente falso. Os sacrifícios e matanças ritualísticas pagãs, bramânicas, judaicas, muçulmanas, etc., as refeições "tradicionais" (a base de peru, cordeiro, etc.) que entram, fora dos locais de culto e contexto litúrgico, feriados cristãos (Natal, Páscoa), com a aprovação entusiástica de Igrejas, são uma parte muito importante da crueldade humana sobre os animais.

Querem justificar essa situação dizendo que " matar dentro de um contexto de sacrifício religioso não é matar", ou ainda "os animais foram considerados dignos de serem objeto de sacrifício". Onde existe honra em matar um animal (muitas vezes de forma cruel) e ser ele comido por humanos que se acham espiritualizados? As religiões judia e cristã sabem bem que originalmente, o Deus da Bíblia ordenou dieta vegetariana para todos os homens e animais:

"Eu dou toda erva com sementes, que está sobre a superfície da terra, e toda a árvore que dá fruto e tem semente; isto será para a carne. Para todos os animais selvagens, todas as aves do céu, para tudo que se arrasta sobre a terra e que é vida animada, eu dou toda erva verde como alimento" e assim foi. Gênesis 29, 30 1.)

Mesmo religiões asiáticas tradicionais consideradas mais benevolentes para com os de outras espécies (várias correntes hindus, budistas, taoístas, etc) não souberem ou não puderam evitar a creofagia e o abuso de animais. Certamente, para essas religiões o homem não é a medida de todas as coisas, nem ele domina a criação. No entanto, essas religiões sucumbiram mais ou menos, cada qual a seu modo, a "lei do peixe", ou  o que nós, ocidentais, chamamos de "lei da selva": o grande come o pequeno.

Com respeito a essa questão, somente uma religião não rendeu-se a "lei do peixe" - o jainismo, hoje em dia, a menor religião (de menos adeptos), dentre as principais religiões da Índia. Certamente, que há budistas, hindus e taoístas conscientes desta causa e que são vegetarianos por convicção religiosa (Este é também o caso de minorias judaicas, cristãs e muçulmanas). Mas na verdade, apenas o jainismo continua a prescrever o vegetarianismo absoluto e a não violência para com todas as espécies de vida. As outras grandes religiões asiáticas permitiram que interpretações frouxas e pragmática alterassem  a mensagem a favor dos animais, corrompendo assim o que deveriam transmitir. 

Essa resistência do jainismo, eficaz e persistente durante milênios, influenciou, decisivamente, dois gigantes do pensamento e da moralidade do século XX - Mahatma Gandhi e Albert Schweitzer, dois grandes defensores da causa animal.

Origem do Jainismo

Até meados do século XX na Europa, os historiadores religiosos tendiam a ver o jainismo como uma dissidência do hinduísmo. Essas considerações apareceram, algumas vezes, no século IX a.C., com o ensinamentos de Parhvanatha, e, algumas vezes, no século VI a.C. com os ensinamentos de Mahavira, um contemporâneo de Sidharta Gautama, o Buda histórico. Hoje em dia, os historiadores da religião começam a dar mais credibilidade a versão tradicional  jainista. Esta afirma que o jainismo não é uma dissidência do hinduísmo. A justiça indiana parece ter provado que isto está certo: depois da apelação civil Nº8595 de 2003, o Supremo Tribunal da Índia, em 2006, declarou que, realmente, a religião jaina não é uma parte da religião hindu.

De acordo com a versão tradicional, o jainismo seria a religião mais antiga da Índia, com origens pré-ariana e pré- védica. Evidências arqueológicas sugerem que a civilização do Vale do Indo (que existiu de 2500 até 1750 a.C.) foi uma civilização vegetariana que se baseou no princípio da Ahimsa (não violência). Detalhe importante: o jainismo segue a tradição ascética e não a tradição sacerdotal e sacrificial.

Segundo a tradição, o jainismo se desenvolveu graças aos ensinamentos dos 24 Tirthankaras
* (Fazedor de vau - título que corresponde ao do profeta em outras religiões) neste ciclo de idades**, que através de seus esforços com base em um ascetismo extremo alcançaram a iluminação e a libertação (Moksha). O penúltimo Tirthamkara foi Parhvanatha e o último Mahavira. A doutrina jaina, como a conhecemos, chegou até os dias atuais quase que inalterada desde a época de Mahavira 2500 anos atrás. O jainismo se espalhou por toda a Índia e vários reis e imperadores o adotaram como religião oficial.

* Tirthankara - No jainismo , um Tirthankara (do sânscrito "Fazedor de vau") é um ser que conseguiu livrar-se do ciclo de renascimentos e por isso, se propõe a ensinar aos outros como também faze-lo. A palavra é sinônimo de "Jina" que quer dizer "vencedor".

** Segundo o jainismo, o tempo é eterno e cíclico. Em cada ciclo existem sempre vinte e quatro Tirthankaras. Todos os Tirthankaras  foram seres humanos que alcançaram um estado de perfeição espiritual. Os acadêmicos aceitam a existência histórica dos dois últimos Tirthankaras, que são eles: Parshvanata e Vardhamana Mahavira.

A Doutrina Jainista

A maior parte da doutrina jaina é resumida no Ayâram Gassuta, um texto que provavelmente remonta ao século III a IV a.C. que proclama:

"Todos os santos e veneráveis do passado, presente e futuro, todos dizem, anunciam, proclamam e declaram: é preciso não matar ou maltratar ou abusar, ou assediar ou perseguir qualquer tipo de ser vivo, nenhuma espécie animal,  ou qualquer outro ser". Este é o preceito puro, eterno e constante da religião proclamado pelos sábios que compreendem o mundo. A doutrina jaina é muito elaborada. Jaina significa "vencedor; aquele que derrotou os seus inimigos internos, suas más inclinações. O jainismo não acredita na existência de um Ser Supremo, Criador do Universo e Onipotente. De acordo com essa doutrina o universo não foi crido e nem terá fim. Os seres celestiais (os devas) podem influenciar os acontecimentos no mundo, mas eles não tem poder supremo. Eles são uma forma de vida como as outras e estão sujeitos, também a morte e a reencarnação.

A forma de vida humana é privilegiada porque é só por meio dela - por meio de um comportamento absolutamente não violento e uma vida estritamente ascética - que a alma pode se libertar do ciclo de nascimentos e alcançar a bem-aventurança. Com isso se entende que o jainismo é uma religião, particularmente ascética cuja adoção do seu código moral na vida prática é essencial.

Indiscutivelmente, o jainismo tem elementos comuns com diferentes correntes do hinduísmo e do budismo. Porém essas similaridades culturais são mais relacionadas ao teor filosófico delas. Os jainistas não acreditam em Brahma (a única realidade), nem no Trimurti (trindade hindu: Brahma, Vishnu e Shiva) e nem veneram as inúmeras divindades do panteão hindu.

Os jainistas acreditam na permanência dos fenômenos e no retorno cíclico contínuo e eterno das coisas o que os mantem afastados das doutrinas budistas. A diferença, também, aparece quando se considera o cumprimento das obrigações estritas e essenciais, previstos para todos os ascetas e leigos jainistas. Alguns outros pontos em comum existem entre essas duas religiões, sendo o mais importante o vegetarianismo. Só que diferentemente do budismo, para a religião jaina, o vegetarianismo é necessário em tempo integral para todos os fiéis.

O Caminho da Libertação é baseado nas Três Jóias que são a conduta correta, a atitude correta e o conhecimento correto. 

A conduta correta exige a prática de cinco votos:

1 - Ahimsa - é a não violência; não matar, ferir ou prejudicar, intencionalmente, qualquer ser vivo. este princípio aplica-se aos animais e plantas.

2 - Satya - dizer a verdade

3 - Asteya - não roubar; não tomar para si o que não lhe foi dado.

4 - Bramacharya - voto de castidade

5 - Parigraha-tuaga - desapego; desligar-se emocionalmente dos objetos mundanos.

Aqueles que buscam, efetivamente, a libertação absoluta devem seguir os cinco votos, renunciar ao mundo e viver como monges (ou freiras). Já as pessoas que vivem no mundo, procurando apenas eliminar o mau karma, mas valorizando e criando bom karma para renascerem num melhor estado de vida podem praticar os dois últimos votos (Bramacharya e o Parigraha-tuaga) de forma mais flexível. Os monges, também, devem seguir regras específicas de conduta que exigem maior controle das atividades da mente, do corpo e da fala; devem prestar atenção ininterrupta a cada ação, a cada pensamento, inclusive durante o sono. Também devem realizar penitência, meditação e austeridades (tapas) para se livrarem de karmas de vidas passadas.

O mandamento da Ahimsa é essencial. Todos os outros vêm depois dele. Aceita-se até que se viole uma ou mais das outras regras de conduta, mas e esta têm de ser obedecida.  Não é exagero dizer que Ahimsa é o centro da espiritualidade e ética jaina. É o sol que dá luz e vida a todo o edifício jaina.

O mais provável é que essa regra de conduta - a Ahimsa - tenha sido originária do jainismo e não do Bramanismo porque muito bem observou Albert Schweitzer:

" Os jainistas dão, fundamentalmente, uma importância de primeira grandeza para a Ahimsa, enquanto nos Upanhshads, essa regra se mostra um tanto apagada. Além disso, como poderia se conceber que a ideia de proibir  a matança pudesse ter vindo dos bramanistas, uma vez que eles se ocupavam especialmente de assassinatos para fins de sacrifícios?"

Há, portanto, todas as razões para se supor que o Bramanimo é que pegou emprestado esta regra do jainismo.

De acordo com o jainismo, a realidade consiste de dois princípios eternos: o jiva e ajiva (não jiva, ou pugdala). O jiva é composto de um número infinito de unidades espirituais idênticas que chamamos de "almas". O ajiva é matéria, mas um material que inclui o tempo, espaço, movimentos e repouso.

O karma mantém a alma completamente aprisionada na matéria. Todas as almas são iguais e podem ser presas em qualquer tipo de corpo. Após a morte, a alma que não foi capaz de se livrar do karma irá renascer em alguma forma de vida compatível ao seu tipo de karma.

Harshad Sanghrajka que é secretário-geral do Instituto de Jainology Jain, amavelmente nos deu os seguintes esclarecimentos:

"Na ontologia jaina o universo se compõe de Jivas (almas) e ajiva (matéria). A filosofia jaina classifica as almas em duas categorias principais. Há as almas encarceradas na matéria e as almas liberadas. As almas não liberadas existem em formas distintas nos quatro reinos que são: o reino dos seres humanos, o reino dos semideuses, o reino dos seres infernais, o reino da natureza (animais, insetos, plantas, etc). Os ensinamentos contidos nas escrituras e pregados por Mahavira, que viveu, a mais ou menos 2500 anos atrás, classificam o mundo em seis categorias: terra, água, ar, fogo, as plantas e os seres móveis que possuem dois ou mais sentidos. Portanto, todos os elementos da natureza são considerados vida. Este é o verdadeiro significado do porque  a proteção do ambiente. Os seres das cinco primeiras categorias têm um só sentido (o tato) e são as formas inferiores de vida. 

Todos os seres querem viver: nenhum deles quer morrer. Os seres vivos só podem sobreviver alimentando-se de outros seres vivos. Por ser assim precisamos comer. O jainismo permite que se comam as plantas, pois são formas inferiores de vida. Certamente, que isso é contra a Ahimsa, mas é uma violência necessária a ser feita. É por esta razão que os jainistas só estão autorizados a suprir as necessidades básicas. É proibido o desperdício de comida. Os alimentos só devem ser preparados quando necessário, evitando assim a contaminação, o consumo excessivo e o desperdício."

Dissemos acima, no que diz respeito ao animais que o jainismo sempre resistiu com sucesso a "lei do peixe" (a lei da selva). Harshad Sanghrajka disse que, em relação as plantas, o jainismo obedece a lei da necessidade; permite que seus seguidores comam vegetais, embora reconhecendo que isso é contra a Ahimsa. Devemos comer para viver. Os jainistas comem plantas que são,  segundo eles, o único comestível entre as formas de vida "imóvel" e com um único sentido - o tato. Isso quer dizer que as plantas sofrem menos do que as formas de vida "móveis" (homens, animais, insetos) e que tem vários sentidos.

Os jainistas estão cientes que comer vegetais é uma violação do mandamentos da Ahimsa. É por isso que eles se acham no dever de reduzir o "mal" que fazem as plantas, por come-las. Para isso, em primeiro lugar, tomam cuidado para não desperdiçar comida. Por isso o jejum. Muitos jainistas se abstêm de comer um dia por semana. Além de que o jejum (que nem sempre é total) desempenha um grande papel na vida espiritual e moral dos seguidores dessa religião. Ele é, especialmente, praticado quando há festas religiosas.

A forma mais extrema do jejum jaina é chamado de "Sallekhana" ou "Santhara" e, de acordo com certas opiniões, ele é semelhante ao suicídio. Quando uma pessoa decide realiza-lo, deve seguir um ritual adequado. A pessoa deve, gradualmente, deixar de beber e de comer. Esta redução gradual de comida e bebida pode durar anos, em alguns casos.

O "Sallekhana" parece concordar com Albert Schweitzer, que disse que para um seguidor de uma doutrina que defende a negação do mundo (como fazem as doutrinas indianas) a única consequência lógica seria sua saída voluntária desta vida.

 É muito peculiar o significado de karma no jainismo. No jainismo, o karma é uma coisa material que acarreta encargos, como uma droga que produz efeitos. Independente de tratar-se de boas ou más ações, para os jainistas todas as ações geram micropartículas de karma. O karma adere a alma, se mistura com ela e a transforma. A matéria kármica degrada a alma pura. Contaminada por essa matéria, ela vai de ciclo para ciclo, nascendo e sofrendo.

O karma é uma substância invisível que adere à alma e penetra no corpo, determinando como será a próxima reencarnação. Dependendo do karma, a alma não liberada pode renascer como um ser celestial, infernal, humano, animal, etc. A impureza da alma é uma propensão da existência. O sofrimento somente cessará quando se romper a sequência de nascimentos sucessivos. O objetivo final da existência é quebrar a cadeia de nascimentos e alcançar o estado de liberação  chamado Moksha: que é quando a alma goza de bem-aventurança e perfeito conhecimento.

O único estado divino - o paraíso -  reconhecido pelo jainismo é o desfrutado pelas almas livres que gozam de bem-aventurança e perfeito conhecimento. Levando uma vida ascética, piedosa e não violenta, os seres humanos podem destruir seu karma e libertar-se do ciclo de reencarnações... ou, pelo menos, melhorar seu karma para renascer em uma melhor forma de vida e avançar espiritualmente.

A Não Violência Para com os Animais e o Jainismo Contemporâneo

No que diz respeito a não violência para com os animais, é certo que nenhuma grande religião foi tão longe quanto o jainismo:

De acordo com a ahimsa (não violência), os jainistas rejeitam os sacrifícios sangrentos, o uso de carne, caça e pesca e qualquer luta animal. Eles, também, têm o cuidado e o dever de não esmagar, enquanto caminham, insetos e répteis. Em algumas seitas jainistas, os monges utilizam um pano sobre a boca para evitar a deglutição ou respirar os bichos que podem estar no ar. O jainismo, também, se vê obrigado a condenar a agricultura, já que quando o solo é lavrado resulta em prejuízo e sofrimento para os seres que lá habitam.

Esta imagem idílica dos jainistas quanto a questão animal ainda é um pouco moderada. E o primeiro a reconhece-lo foi Schweitzer, que observou que o mandamentos da Ahimsa visa o desejo de permanecer puro da corrupção do mundo e, não, genuinamente, a pena que se tem dos animais - o que sugere uma compaixão passiva e não ativa. Algumas décadas mais tarde, na índia Maneka Gandhi, um político importante e grande defensor dos animais, seguidor da ahimsa e do veganismo (apesar de não ter o jainismo como religião), parece compartilhar a visão de Albert Schweitzer. Em várias ocasiões ele apelou para os jainistas pedindo-lhes para que fossem mais ativos na defesa dos animais. Ele, especialmente, lhes disse:

"Eu não acredito que o ideal do vegetarianismo seja limitado a não comer carne. Todos os caminhos obscuros pelos quais os jainas ainda são obrigados a participar com relação ao consumo de produtos de origem animal (como sapatos, cintos e bolsas de couro, comprimidos vitamínicos, cosméticos, etc.) devem ser abandonados caso queiram ser verdadeiramente vegetarianos. Além disso, eu não acho que adotar a Ahimsa significa ser apenas vegetariano, mas muito mais. 

Ahimsa não quer dizer "viva e deixe viver", mas "viva e ajude a viver". Na verdade, priorizar os animais é uma definição mais positiva de Ahimsa. Minha experiência com os jainistas mostrou que eles são muito mais inclinados a fazer doações para financiar a construção de templos ou rituais do que mostrarem a compaixão ativa pelos animais. Na Índia, muito poucos jovens estão conscientes de que o jainismo é a filosofia mais poderosa e mais profunda do mundo. O jainismo é também uma filosofia econômica muito moderna, pois é simplista demais ver nele somente o aspecto do vegetarianismo religioso".

Na mesma entrevista dada ao jornal da Fundação Ahimsa, Maneka Gandhi observou que mesmo os jainistas mais maduros não entendem o poder que possuem as bases sociológicas e ecológicas do jainismo. Ele disse  que eles não entendem que, se quisessem, poderiam mudar a face da Índia. Ele, também, afirmou que na Índia muitos jainistas ignoram até que ponto os produtos de origem animal são usados na fabricação de utensílios domésticos. Assim, apela para uma campanha de informação destinada aos jainistas sobre a utilização de animais na economia produtivista. Parece que, em certa medida, esse desejo foi cumprido. O Instituto de Jainology Jain e outras organizações  agora fornecem essa informação através  de seus websites e de outras formas.

Em suma, Maneka Gandhi gostaria que o jainismo, uma das religiões mais antigas do mundo, fosse transformada em ideologia moderna, antiprodutivista, social, ecológica, vegana e protetora dos animais. A ideia é atraente, mas como alcançar essa transformação?...


De qualquer forma, por enquanto, o jainismo continua a ser uma religião e, como todas as religiões, sofre, também, uma força de inércia. No entanto, seria injusto insultá-lo uma vez que seus monges e monjas devem ser veganos e seus fiéis devem ser vegetarianos. Esta é a norma. Que outra grande religião faz isso? Mesmo o budismo, que para o ocidental comum parece a epítome da religião não violenta, não de maneira absoluta rejeita a creofagia. Buda em alguns casos considerava legítimo o uso da carne.

Seguindo a tradição, os templos das religiões indianas, muitas vezes anexavam a ele um hospital para seres humanos e um hospital  (ou refúgio) para os animais. Os templos jainas tinham uma conhecida tradição na construção desses abrigos para animais (panjrapoles). Alguns dizem que esse costume não é mais o que era. Segundo Maneka Gandhi, hospitais jainistas para animais quase não existem. Onde existem, não oferecem a experiência necessária para tratar animais doentes, velhos ou quase morrendo. De acordo com uma breve pesquisa realizada, hoje em dia, muitos jainistas se esforçam para não serem apenas vegetarianos passivos (mas, também, defensores da causa animal). Se considerarmos que a Índia tem uma área de 3.268 milhões de quilômetros quadrados e mais de um bilhão de pessoas e que os jainistas representam apenas um por cento - no máximo - da o população deste grande país, podemos dizer que, proporcionalmente, eles são o grupo religioso mais ativo no que se refere a proteção dos animais. Segundo Joelle Secondo, um americano amante dos animais e conhecedor da Índia, quase todas as vacas são abrigadas ou apoiadas por jainistas.

Uma população razoavelmente grande de jainistas vivem no estado de Gujarat, no noroeste da Índia. Em 1980, durante um período de escassez de alimentos no país, os jainistas organizaram um resgate de animais em grande escala. Em 2008 os jainas chegaram a uma decisão judicial que ordenou o encerramento de matadouros locais durante o período de um de seus jejuns religiosos. Essa decisão irritou simpatizantes da exploração animal na Índia e no exterior.

Por outro lado, de acordo com informações, no mesmo estado de Gujarat, existem pelo menos três hospitais/centros de abrigo para animais operando. Todos patrocinados por jainistas. Existem vários outros abrigos similares no resto da Índia dirigidos por jainistas em particular ou com apoio de outras fontes. Nos estados de Gujarat e Maharashta, a organização Samast Mahajan coordena eficazmente uma ampla rede de vigilantes para obter informações sobre as violações da lei sobre o transporte de animais. Dentro dessa organização os jainistas têm um papel de liderança. No Reino Unido os jainistas também apoiam financeiramente vários abrigos.

Não podemos concluir esse tema sem mencionar o grande hospital de Jain Delhi para aves. Este hospital foi fundado em 1956 por jainistas em Chadni Chowk (Delhi) e está localizado perto de um templo. O hospital é um edifício de três andares , que pode acomodar até 10.000 aves. Todo dia ele recebe de 60 a 70 aves doentes ou feridas. A taxa de reabilitação e cura é de 75%. Aqueles que trazem uma ave podem, se assim o desejarem, rezar pela sua recuperação no templo das proximidades. Este hospital para pássaros tem uma unidade de terapia intensiva e um laboratório de pesquisas.

Doutrina Pouco conhecida,  Mas Vanguardista 


O jainismo é uma doutrina geralmente ignorada no pensamento europeu. Schopenhauer - que foi um admirador das doutrinas indianas e defensor dos animais - falava sobre os Vedas, os Upanishads, o Bramanismo e o Budismo. É verdade que em seus dias o jainismo era considerado como uma sub escola  do Budismo. 

Tudo indica que realmente o único filósofo europeu famoso que foi influenciado pelo jainismo foi Albert Schweitzer - influência essa não só manifestada em seu pensamento, mas também no domínio da ação. É interessante notar que Schweitzer quis estabelecer, ao lado de seu hospital de Lambaréné, no Gabão, um abrigo hospitalar para animais...

Maneka Gandhi Nitin Mehta (presidente dos jovens vegetarianos indianos) tem razão para querer promover o jainismo como uma doutrina capaz de dar respostas filosóficas, econômicas, sociais e ecológicas para problemas graves no mundo de hoje. Conforme sabemos, já Mahatma Gandhi, com sua doutrina de resistência não violenta (Satyagraha) inspirada pela Ahimsa, revolucionou a ação política moderna. Quem sabe um outro gênio indiano (inspirado pelo jainismo) não poderia fazer mais pelo bem de todos os seres vivos deste planeta?

Nota: O autor deste artigo agradece a Nemu Chandaria, OBE, e Harshad Sanghrajka, respectivamente vice- presidente e secretário geral do Instituto de Jainologia por responder suas perguntas sobre o jainismo.