sábado, 15 de agosto de 2015

GANDHI E O JAINISMO


GANDHI E O JAINISMO




Mohandas K. Gandhi, a quem muitos reverenciam como  "O Pai da Índia", não foi um jaina por tradição familiar. Seus pais eram Vaishnavas*. Ele nasceu no berço dessa seita hindu no dia 2 de outubro de 1869, na cidade de Porbandar, no estado de Gujarat. O jainismo tem uma influência muito forte neste estado indiano porque muitos jainistas vivem lá. Crescendo nesta província e sendo sua mãe muito indulgente e religiosa, Gandhi foi constantemente exposto as doutrinas jainas. Embora, posteriormente, ele não tenha sido declaradamente um jaina, em espírito o era, por causa de seus ideais e filosofia. Portanto, pode-se dizer que  Gandhi era e não era um jaina.

Vaishnavas - é um dos principais ramos do hinduísmo. Essa seita é voltada para a adoração de Vishnu.

Como isto pode ser? O princípio do relativismo, Syadvada*, nos permite fazer esta afirmação, aparentemente, contraditória. Gandhi não era um jaina do ponto de vista da tradição religiosa que recebera de seus pais, nem ele mesmo se considerava um jaina. Por outro lado, ele, perfeitamente, poderia ser considerado um jaina se avaliarmos suas crenças e ações. Um exemplo da vida de Gandhi ilustra esse maravilhoso princípio de relativismo na resolução de conflitos. Ei-lo:

* Syadvada - é a doutrina da relatividade do conhecimento. A realidade tem infinitos aspectos que são todos relativos, pois só podemos perceber alguns deles. Uma vez assim, todos os nossos julgamentos, são relativos, condicionais e limitados. Os jainistas gostam de citar a velha história dos seis homens cegos e o elefante (Ler a história no final desta postagem). Os homens cegos colocam suas mãos sobre partes diferentes do elefante e cada um pensa estar descrevendo o animal inteiro. Quase todas as disputas filosóficas, ideológicas e religiosas são, principalmente, devido ao fato de se confundir uma verdade parcial com a verdade total. Nossos julgamentos, também, são sempre baseados em verdades parciais. Essa visão faz com que o jainismo enfatize à que tenhamos mente aberta e tolerante. Ela ensina o respeito pelos pontos de vista dos outros.


Com a idade de 18 anos Gandhi viajou para a Inglaterra a fim de estudar Direito. A mãe de Gandhi estava hesitante em deixá-lo ir porque tinha ouvido falar que os jovens e os homens casados acabavam se corrompendo quando iam para aquele país. Ela, então, consultou Becharji Swami, um monge jaina, para ouvir seu conselho. Este disse que Gandhi deveria fazer um voto solene na frente de sua mãe e em seguida ele poderia ser autorizado a partir. Em sua autobiografia Gandhi narra: "Ela(a mãe) administrou (estipulou as regras) o juramento e eu (Ghandi) prometi não tocar em vinho, mulher e carne". Isso realizado teve a permissão que pretendia. Na Inglaterra a fidelidade de Gandhi ao voto foi testada muitas vezes. Certa ocasião, alguém lhe recomendou que comesse ovos porque ovos não eram carne. Depois de comê-los por algum tempo ele refletiu que na interpretação de sua mãe comer ovos seria o mesmo que comer carne; sendo assim ele estava violando a promessa feita. A partir desse dia já não tornou a prova-los. Isso ensinou o jovem Gandhi a importância de interpretar um voto a partir do ponto de vista de quem o administra, de quem determina o que deve ser feito. 

Como vemos, Gandhi teve a possibilidade de escolher seguir o espírito do voto  ou segui-lo segundo sua interpretação. Ambos os cursos de ação poderiam ter sido tomados, mas para um genuíno compromisso é necessário seguir a essência do voto e não o que nossa interpretação prefere realizar por ser mais cômodo ou confortável. Fazendo isso preservamos a equanimidade. A justiça e a honestidade evitam disputas e conflitos. Gandhi sempre se esforçou  para manter uma atitude imparcial diante dos fatos e é por isso que ele é um jaina em espírito.




O princípio central do jainismo é Ahimsa (não-violência). O princípio central da filosofia de Gandhi, também. Ele desenvolveu um método de ativismo político chamado Satyagraha, que foi inteiramente baseado na verdade e na não-violência (Sat = verdade; Agraha = firmeza). Foi traduzido como "não-cooperação" e "resistência passiva". Gandhi disse: "Satyagraha é essencialmente uma arma da verdade. Um satyagrahi se compromete a não-violência". Ele usou esse princípio no distrito de Kheda quando houve uma quebra de safra. Eis o que aconteceu (o texto abaixo foi extraído do livro Gandhi de Alan Axelrod):

"Naquele ano, Gandhi também deu início ao Satyagraha de Kheda, uma campanha para persuadir o governo a suspender impostos incidentes sobre os lavradores que tentavam sobreviver a uma grave escassez de alimentos que varria o país inteiro. O governo ameaçava os camponeses que conseguiam pagar os impostos com execução da dívida e perda da terra. Gandhi convenceu todos os camponeses a se recusarem a pagar o imposto e, quando o governo ameaçou apreender o cultivo, os camponeses, sob a orientação de Gandhi, fizeram a colheita antes que o governo pudesse lhes tomar a produção. Finalmente, em junho, o governo propôs um acordo segundo o qual os camponeses que tivessem condições de pagar o imposto o fariam voluntariamente, enquanto os que não tivessem condições receberiam permissão de suspender o pagamento. O próprio Gandhi não ficou plenamente satisfeito com o resultado, já que acreditava que ninguém precisaria pagar impostos em uma época de escassez de alimentos. Mesmo assim a campanha teve profundo efeito sobre os lavradores, despertando-os para o poder da desobediência civil."

Por aí vemos que em vez de tumultos e violências os agricultores agiram de forma civilizada e não-violenta, por isso o governo não teve escolha senão ceder. Essa vitória demonstrou o poder da verdade e da Ahimsa que Gandhi tinha instigado nas pessoas.




Como um jaina Gandhi, também foi um vegetariano. Na verdade, ele se tornou um "fruitarian" completo e vivia de uma dieta puramente a base de frutas. Sua alimentação consistia, entre outra coisas, de amendoins, bananas, limão, azeite de oliva, tomates e uvas. Ele evitava, completamente, o leite, cereais, legumes entre outras coisas. Isto prova o quão fortemente ele acreditava  na  Ahimsa. Toda a sua autobiografia foi dedicada a ela. No livro escreve: " O exercício [de escrever minha autobiografia] me deu inefável paz de espírito, porque tem sido minha grande esperança que através dela eu possa levar a fé - na Verdade e na não-violência - aos indecisos." 




Gandhi acreditava nas doutrinas jainas, sem dúvida nenhuma, e estas o ajudaram a alcançar a grandeza.

(Texto compilado de um ensaio escrito para a Jain Society of Greater Detroit)



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Mahatma Gandhi e o Jainismo

Por Mahaveer Sanglikar



Ghandi

Mohandas Karamchand Gandhi nasceu em Gujarat, um estado da costa oeste da Índia. Por conta do jainismo Gujarat tem uma rica história. O Tirthankara 22 - Aritthanemi - que era primo de Krishna, promoveu o jainismo nesta região há cerca de 10 séculos a.C. Nesse mesmo território grandes governantes, como Kumarpal, deram patrocínio real para a religião jaina. Gujarat foi, também, berço de proeminentes ascetas como Acharya Hemachandra, Acharya Sheel Gun Sooi, Shrimad Rajchandra, Kanaji Swami e outros.

Gujarat e seu povo sempre receberam influência do jainismo. Mahatma Gandhi, também. Ele foi influenciado pelo ambiente em que nasceu e cresceu, por sua mãe Putalibai que apesar de não ser jaina, adotava, em sua vida prática, muitos aspectos dessa doutrina e por sua amizade com o grande filósofo Shrimad Rajchandra.


Gandhi nasceu em Modh Vanik  uma comunidade de comerciantes. Esta comunidade é influenciada pelo jainismo há muitos séculos. Muitos modh vaniks contribuíram na promoção do jainismo e, ainda hoje, existem muitos jainas desta comunidade. Embora a maioria da população, atualmente, seja Vaishnavites (seguidores ou adoradores de Vishnu), uma grande percentagem de modh vaniks eram seguidores do jainismo até passado recente.



Influência de Putalibai (mãe de Gandhi)


Putalibai ( mãe de Gandhi)

Recebemos muitas informações sobre a influência do jainismo sobre Gandhi em sua autobiografia e em suas biografias. Ele nasceu no dia 2 de outubro de 1869 em uma família Vaishnavite na cidade de Porbandar. Ele não era jaina de nascimento, mas sua mãe reputava muito o jainismo. O monge jaina Becharji Swami era conselheiro espiritual dela. Quando jovem - aos 18 anos - Gandhi decidiu ir para a Inglaterra estudar Direito; Bechar Swami aconselhou Putalibai à que Gandhi  fizesse votos. Assim, Gandhi prometeu não comer carne, não tomar bebidas alcoólicas e não tocar em mulher.


Influência de Srimad Rajchandra




Shrimad Rajchandra

O famoso filósofo Shrimad Rajchandra era um dos melhores amigos de Gandhi. Rajchandra era um gênio, tinha um perfeito conhecimento da filosofia jaina. Quando Gandhi estava na África do Sul, ele enviou um longo questionário para Shrimad Rajchandra. O questionário tinha 27 perguntas que foram, prontamente, respondidas pelo amigo. Será interessante saber algumas das perguntas feita por Gandhi:

- O que é a alma? Nossas ações passadas impedem o nosso atual progresso espiritual?


- O que é Deus? Ele é o criador do Universo?


- O que é Moksha?


-Todas as religiões se originaram dos Vedas?


- Será que se acumula algum mérito pelo sacrifício de animais? (Algumas religiões utilizam o sacrifício de animais como forma de adoração)


- O que você acha do cristianismo?


- Pode alguém, verdadeiramente, se lembrar de suas vidas passadas ou ter uma ideia de vidas futuras?


- O que irá, finalmente, acontecer a este mundo?


- Será que no futuro o mundo será moralmente melhor?


- Existe tal coisa - a destruição total do mundo?


- Se uma serpente está prestes a morder-me, devo me permitir ser mordido ou devo matá-la, supondo que essa seja a única maneira de salvar-me?



Gandhi admite em sua autobiografia ter sido muito influenciado pelos pensamentos de Shrimad Rajchandra. Ele pôs Rajchandra em posição número um com relação as três grandes personalidades que marcaram sua vida e seu pensamento. Os outros dois foram Ruskin e Tolstoy.


Influência Geral do Jainismo Sobre Gandhi 



Gandhi adotou todos os cinco votos do jainismo para leigos com extrema fidelidade. Esses votos incluem: não-violência, veracidade, não roubar, desapego e celibato.


Mas, além disso, ele parece ser um verdadeiro jaina quando vemos sua bravura. Nós não vemos, nenhum caso em que se comportava como um covarde em seus movimentos. Ele foi, no decorrer de sua vida, sem uma arma, um homem corajoso.

Outra grande influência do jainismo em Gandhi foi a simplicidade e o código de vestimenta. Ele vestia-se, apenas, com roupas essenciais feitas de algodão, de cor branca. Uma indicação clara da influência da vida ascética jaina.


Como sabemos, os monges jainas não usam veículos e andam por todos os lugares com os pés descalços. Embora Gandhi usasse veículos ele é famoso por suas marchas a pé. Essas marchas foram, claramente, adotadas a partir dessa prática dos monges jainas.

É por isso que nós podemos dizer que ele era um verdadeiro jaina.


Contribuição de Gandhi Para o Jainismo

A maior contribuição de Gandhi para o jainismo foi, ele fez dos princípios jainas uma prática de vida. E ele aplicou esses princípios envolvendo toda a população indiana. Podemos dizer que ele foi o primeiro homem a aplicar os princípios jainas nos movimentos sociais e políticos.



Frases de Gandhi

"Nenhuma religião do mundo explicou o princípio da não-violência tão profundamente e de forma sistemática - com sua aplicabilidade na vida - como o jainismo. Bhagwan Mahavira, com certeza, deve ser respeitado como sendo a maior autoridade sobre a não-violência."

"Eu digo com convicção que a doutrina que glorifica  o nome do Senhor Mahavira, nos tempos atuais, é a doutrina da Ahimsa. Se alguém praticou e propagou em toda a sua extensão a doutrina da Ahimsa foi o Senhor Mahavira."


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OS CEGOS E O ELEFANTE

Numa cidade da Índia viviam sete sábios cegos. Como os seus conselhos eram sempre excelentes, todas as pessoas que tinham problemas recorriam à sua ajuda. Embora fossem amigos, havia uma certa rivalidade entre eles que, de vez em quando, discutiam sobre qual seria o mais sábio.


Certa noite, depois de muito conversarem acerca da verdade da vida e não chegarem a um acordo, o sétimo sábio ficou tão aborrecido que resolveu ir morar sozinho numa caverna da montanha. Disse aos companheiros:

- Somos cegos para que possamos ouvir e entender melhor que as outra pessoas a verdade da vida. E, em vez de aconselhar os necessitados, vocês ficam aí discutindo como se quisessem ganhar uma competição. Não aguento  mais! Vou-me embora. No dia seguinte, chegou à cidade um comerciante montado num enorme elefante. Os cegos nunca tinham tocado nesse animal e correram para a rua ao encontro dele.

O primeiro sábio apalpou a barriga do animal e declarou:

- Trata-se de um ser gigantesco e muito forte! Posso tocar nos seus músculos e eles não se movem; parecem paredes...

- Que palermice! - disse o segundo sábio, tocando nas presas do elefante. - Este animal é pontiagudo como uma lança, uma arma de guerra...

- Ambos se enganam - retorquiu o terceiro sábio, que apertava a tromba do elefante. - Este animal é idêntico a uma serpente! Mas não morde, porque não tem dentes na boca. É uma cobra mansa e macia...

- Vocês estão totalmente alucinados! - gritou o quinto sábio, que mexia nas orelhas do elefante. - Este animal não se parece com nenhum outro. Os seus movimentos são bamboleantes, como se o seu corpo fosse uma enorme cortina ambulante...

- Vejam só! - Todos vocês, estão completamente errados! - irritou-se o sexto sábio, tocando a pequena cauda do elefante. - Este animal é como uma rocha com uma corda presa no corpo. Posso até pendurar-me nele. E assim ficaram horas debatendo, aos gritos, os seis sábios. Até que o sétimo sábio cego, o que agora habitava a montanha, apareceu conduzido por uma criança. Ouvindo a discussão, pediu ao menino que desenhasse no chão a figura do elefante. Quando tacteou os contornos do desenho, percebeu que todos os sábios estavam certos e enganados ao mesmo tempo. Agradeceu ao menino e afirmou:

- É assim que os homens se comportam perante a verdade. Pegam apenas numa parte, pensam que é o todo, e continuam tolos!"

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