sexta-feira, 22 de abril de 2016

GRANDES MESTRES JAINAS DIGAMBARA - ACHARYA BHADRABAHU I


GRANDES MESTRES JAINAS DIGAMBARA


ACHARYA BHADRABAHU I




Atualmente os jainistas aderem a uma das duas grandes ramificações da sua religião - Digambara ou Svetambara. Porém na antiguidade havia apenas uma tradição jaina e um homem chamado Bhadrabahu tem a distinção  de ter sido o líder dessa comunidade ainda não dividida. Bhadrabahu foi o último indivíduo a ter atingido  Shrut Kevalin (aquele que tem o conhecimento máximo das Escrituras),  a autoridade sobre os textos originais dos 14 Purvas (ensinamentos transmitidos por Mahavira e os outros Tirthankaras)

Os ensinamentos do onisciente Senhor Mahavira e dos outros Tirthankaras foram agrupados em textos que formaram as 12 Angas e os 14 Purvas - as Escrituras jainas. Os Purvas foram considerados como parte da décima segunda Anga, intitulado Drishtivada. Estes textos foram passados de mestre para discípulo por um sistema bem regulado da tradição oral e mnemônica*. Os mestre os recitavam e os discípulos os memorizavam. Todos os princípios jainas são baseados nesses textos.

* mnemônico - é um conjunto de técnicas utilizadas para o processo de memorização. Consiste na elaboração de suportes como os esquemas, gráficos, símbolos, palavras ou frases relacionadas com o assunto que se pretende memorizar. Recorrer a esses suportes promove uma rápida associação e permite uma melhor assimilação do conteúdo. Está comprovado que a memória humana armazena informações com mais facilidade quando estas são associadas a sequências organizadas e simples que vão ajudar a gravar eficazmente os dados. Os mnemônicos podem ser criados livremente, desde que façam sentido para quem memoriza. Caso seja uma sequência complicada, o resultado não será eficaz.

Após o Senhor Jambu (século V a.C.) que foi o último ser humano a atingir a onisciência (kevala jnana)
*, monges e estudiosos jainas foram guiados, apenas, por estes textos. Aqueles que conheciam  todos estes textos são chamados de Shrut Kevalins, indicando que eles tem a sabedoria dos textos mas não a onisciência (kevala jnana). Conforme mencionado Acharya Bhadrabahu  foi o último Shrut Kevalin. Uma vez que já houve outros acharyas jainas com o nome de Bhadrabahu, muitas vezes, ele é referido como Bhadrabahu I.

*kevala jnana - significa onisciência no jainismo e é traduzido como conhecimento absoluto ou conhecimento supremo. Kevala jnana é uma qualidade intrínseca de todas as almas. Esta qualidade é encoberta por partículas cármicas que cercam a alma. Cada alma tem o potencial para obter a onisciência através do desprendimento dessas partículas cármicas. As Escrituras jainas falam  de doze etapas pelas quais a alma atinge este objetivo. Uma alma que alcançou kevala jnana é chamado de kevalin. De acordo com o jainismo, somente um kevalin pode compreender os objetos em todos os seus aspectos e manifestações; os outros só são capazes de conhecimento parcial. Os pontos de vista das duas seitas do jainismo - Digambara e Svetambara divergem entre si sobre o assunto kevalin. De acordo com os Digambaras, um kevalin não sente fome ou sede; já os Svetambaras, acham que um kevalin tem necessidades humanas normais. De acordo com ambas as tradições o último kevalin foi um discípulo de um dos  onze principais discípulos do útimo Tirthankara, Mahavira; seu nome foi registrado como Jambu. Acredita-se pois que, depois de Jambu ninguém mais teve a capacidade de obter kevala jnana. 

Bhadrabahu nasceu em Pundravardhan, atual Bangladesh. Durante o seu tempo, a capital secundária dos Máurias foi a cidade de  Ujjain. Bhadrabahu foi capaz de prever através de percepções extrassensoriais (jnan nimita = cognição sutil  de causas e efeitos) que iria ocorrer uma grande fome durante 12 anos no norte da Índia. Ele alertou que a fome tornaria a sobrevivência dos monges muito difícil, já que  se tornariam um fardo para uma sociedade, também necessitada. Sendo assim, ele migrou com um grupo de monges para o sul da Índia levando com ele Chandragupta, o fundador do Império Máuria* que, também, se tornara monge.

* Ímpério Máuria ou Mauria - foi um poderoso Estado, geograficamente extenso da Idade do ferro da Índia governado pela dinastia Máuria (entre 322 a. C. - 185 a.C.) O Império foi fundado em 322 a. C. por Chandragupta Máuria que tinha derrubado a dinastia do império Nanda. O Império Máuria foi um dos maiores impérios do mundo em sua época e o maior da história do subcontinente indiano.

Enquanto Bhadrabahu estava fora, os monges que permaneceram no Norte perceberam que as Escrituras sagradas estavam sendo esquecidas. Um monge chamado Sthulabhadra convocou então um conselho para compilar as Escrituras Purva. No entanto, por saber que o seu conhecimento dos textos eram imperfeitos, ele queria Bhadrabahu por perto para ensinar-lhe os pontos que faltavam em sua memória.

Bhadrabahu ensinou Sthulabhadra, mas o proibiu de escrever nos Purvas sobre certos assuntos  (manifestações de poderes extra físicos) uma vez que achou que, com o passar do tempo, eles seriam motivo para corrupções. Desse modo o conhecimento original e que, de todo, não foi integrado nos 14 Purvas morreu com esses dois homens.

Bhadrabahu, até hoje, continua sendo reverenciado como um exemplo de dedicação aos princípios do jainismo original. Depois dele a Sangha foi dividida em duas linhagens. Os monges Digambara pertencem a linhagem do Acharya Vishakha e os monges Svetambaras seguem a tradição de Sthulabhadra. Bhadrabahu compôs, também, alguns textos. Na tradição Svetambara as obras Brihatkalpa, Vyavahara e Nisitha são consideradas suas.

Durante doze anos Bhadrabahu esteve no Nepal para praticar a "Mahaprana Sadhana" que são exercícios de meditação yoguica. Segundo os Digambaras, Bhadrabahu morreu após praticar Sallekana (O voto de Sallekana é observado pelos ascetas jainistas e por alguns devotos leigos no final de suas vidas, quando então reduzem gradualmente a ingestão de alimentos e líquidos até morrerem).

Upsargahara Stotra

Acharya Bhadrabahu tinha um irmão chamado Varahamihira. Esse irmão era um proeminente astrônomo, matemático e astrólogo. Os dois irmãos moravam no mesmo reino. Quando nasceu um dos filhos do rei, Varahamihira declarou que ele viveria cem anos, porém Bhadrabahu o contradisse afirmando que viveria apenas sete dias e que  a criança seria morta por um gato. No oitavo dia, o principezinho morreu por causa de uma maçaneta de porta que caiu em sua cabeça - a maçaneta tinha uma imagem de gato esculpida nela. Devido a essa humilhação Varahamihira deixou o reino e faleceu depois de algum tempo.

Após sua morte Varahamihira tornou-se um Vyantar (segundo os jainas um tipo de Deva ou semideus - na maioria dos casos voltados para o Mal). Os jainistas passaram a acreditar que Varahamihira os torturava e aterrorizava, especialmente, aqueles que eram discípulos  e seguidores de Bhadrabahu. Por causa desse fato Acharya Bhadrabahu, então elaborou uma oração mântrica para o 23ª Tirthankara - Parshvanath - e invocando, também, Dharanendra
*, o assistente de Parshvanath. Essa oração é chamada de Upsargahara Stotra, também conhecida como Uvassagaharam Stotra. Como efeito disso Varahamihira foi derrotado e a sociedade jaina ficou aliviada. Essa oração mântrica ainda hoje é famosa entre os jainista e eles a cantam com devido respeito e fé. Na verdade esta oração fez o nome de Bhadrabahu imortal entre os ascetas jainistas.

* Dharanendra - é o deus assistente (Yaksha = classe de espíritos da natureza benevolentes) de Parshvanatha, o vigésimo terceiro Tirthankara do jainismo. Ele goza de uma vida religiosa independente e é muito popular entre os jainistas. De acordo com a tradição Digambara, quando Parshvanatha era um príncipe, ele salvou duas serpentes que estavam presas em um tronco que serviria para um ritual de fogo do yogi Kamath. Mais tarde essas cobras renasceram como Dharanendra - o rei do submundo naga e Padmavati. Dharanendra e Padmavati, então, abrigaram Parshvanatha quando ele foi assediado por  Meghalin (Kamath renascido). (Ver mais detalhes abaixo)

Os jainistas acreditam que ao evocarem esses dois semideuses - Dharanendra e Padmavati - através deste Stotra (ode, elogio, hino de louvor) eles vêm a Terra para protegê-los ou atendê-los. Em sua forma original essa oração era muito poderosa. Logo as pessoas começaram a usá-la, excessivamente para coisas menores ou concretizar desejos materiais insignificantes. Temendo o uso indevido do mesmo, dois gathas (versos) foram suprimidos deste Stotra. Hoje, composto apenas de duas estrofes em alguns livros, ele ainda ocupa o lugar de destaque e é considerado mais poderoso do que qualquer outra oração.

Dharanendra e Padmavati - Um dia, caminhando tranquilamente pela floresta, o príncipe Parshvanatha viu o famoso yogi Kamath, realizando um ritual de fogo. Imediatamente descobriu a presença de duas cobras presas nos troncos que ardiam. No intuito de salvá-las, solicitou a Kamath que interrompesse o ritual e as retirasse dali. O yogi ficou enfurecido por ter sido interrompido e ignorou o pedido. Parshvanatha foi, então, até a fogueira e retirou as cobras de lá. Só que já estavam mortas. O príncipe apiedado delas começou a recitar o Namaskara Mantra sobre os seus corpos. Com isso fez com que as cobras renascessem no céu como deuses - o deus Dharanendra e a deusa Padmavati. Os anos se passaram, Kamath morreu e renasceu como Meghmali, o deus da chuva. Por esse tempo o príncipe Parshvanatha já havia renunciado ao seu reino para seguir o caminho da renúncia. Certo dia, ele sentou-se no silêncio da floresta em meditação profunda. O deus da chuva, Meghmali, de sua morada celestial o observou. reconheceu-o como sendo o seu antigo antagonista e ficou enfurecido. Decidiu vingar-se dele e descarregou sobre Parsvanath uma chuva violenta. A águas começaram a subir em torno do ex-príncipe, no entanto por estar em meditação profunda, permaneceu alheio ao perigo. As águas turbulentas elevaram-se cada vez mais e logo ameaçavam afogá-lo. Do céu, Dharanendra e Padmavati - as antigas cobras - testemunharam a cena e desceram rapidamente para salvar Parshvanatha. A deusa Padmavati formou uma flor de lótus sob ele e o levantou para que ficasse por cima  das águas e Dharanendra com seu corpo criou uma espécie de toldo sobre sua cabeça, protegendo-o assim do dilúvio. Abrigado conforme estava Parshvanatha pode continuar sua meditação e logo alcançou a iluminação. Quando Meghmali viu que seus esforços foram em vão, tornou-se humilde e procurou perdão.


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