quarta-feira, 10 de junho de 2015

A ESPIRITUAL ARTE DE MORRER


A ESPIRITUAL ARTE DE MORRER 

Por Yogendra Jain



Benção jaina da seita Svetambara Terapantha
ministrada pelo Acharya Dr. Lokesh Muni
para jainista que optou por fazer sallekhana

A morte pode acontecer a qualquer momento. Se você fosse passageiro de um avião que estivesse prestes a cair e não houvesse nenhuma esperança de sobreviver, quais seriam seus últimos pensamentos? Além de querer ficar posicionado da forma mais segura em seu assento você se lembraria da família, da sua vida ou a possibilidade de vida após a morte? 

A arte de viver bem é prescrita por quase todas as religiões, porém o jainismo vai um passo além. O monge budista Bikkhu Jagdish Kashyap disse certa vez: "Eu aprendi muitas coisas do Budismo, mas eu tenho que aprender a arte de morrer em paz do jainismo". As mesmas ideias foram expressas pelo discípulo de Gandhi, Vinoba Bhave*, que, na verdade, escolheu morrer da maneira jaina.


No jainismo, o ritual espiritual de morrer é conhecido como sallekhana (ou santhara, ou samadhi-marana, ou sanyasana-marana). Na velhice, ou quando é portador de uma doença terminal, o jainista pode optar por praticar sallekhana. Ele retira, gradualmente, os alimentos, os medicamentos e quaisquer outros acessórios que lhe mantem a vida; mas o faz de modo que não se sinta perturbado nem em sua paz interior, nem em seu espírito sereno. Orações e a leitura das Escrituras preparam a pessoa para a sua passagem.


Tal prática gera controvérsia no ocidente; os ocidentais consideram difícil a decisão de controlar a própria morte. Em algumas tradições judaico-cristãs a escolha de morrer é considerada um pecado. Esta prática tabu na religião jainista é comum, não só entre freiras e monges como muitos leigos, também, a seguem. Os jainistas acreditam que a alma é uma entidade viva, já o corpo não é. A morte marca a transição desta alma, do corpo atual  para outro - o que se chama reencarnação. Devido a essa passagem de um corpo para outro o jainismo ensina que a morte pode ser abraçada ao invés de temida. Devemos considerá-la de uma forma semelhante como quando trocamos de roupa ou mudamos para uma nova casa.


Diferentemente do suicídio que é, muitas vezes, resultado de uma reação passional ou de emoções desenfreadas uma pessoa que opte por praticar sallekhana  é calma, imparcial e consciente. Tal pessoa não está ansiosa por encontrar a morte, está, sim, disposta a enfrentá-la com graça e auto-controle. Entre os jainistas, preparar-se para a morte é algo que começa cedo e é pensado com frequência. Uma oração jaina diz: "Eu vim a este mundo sozinho e vou deixá-lo sozinho... Até mesmo reis e ministros e pessoas mais poderosas irão morrer um dia...". Isto é afirmado em muitas religiões, de uma forma ou de outra.. Na Bíblia cristã, por exemplo, está escrito: "Todos irão para o mesmo lugar; todos vêm do pó e, todos, ao pó voltarão. (Eclesiastes 3:20). Outra reflexão de textos jainas diz: "Eu amo minha família, meus amigos e esta vida maravilhosa. Agora é hora de separar-me deles e de minhas posses. Ter uma vida humana era uma grande oportunidade; irei me esforçar para nascer, novamente, como um ser humano e continuar o meu crescimento espiritual. Eu devo abandonar minhas paixões negativas de ciúme, raiva, ganância, egoísmo e falsidade".


Diariamente os jainista dizem "Micchami dukkadam" para todos os seres vivos  com que se deparam. Esta frase significa: "Que todos os seres vivos me perdoem por qualquer dano que eu possa ter feito a eles, intencionalmente ou não." Estas, também, são algumas das últimas palavras que um jaina dirá quando em seu leito de morte. Antes do advento da ciência moderna a hora e a causa da morte eram muitas vezes desconhecidas. Os avanços da medicina, agora, dão ao doente terminal a oportunidade de prever quando a morte se aproxima, alerta-o para quanto tempo tem de vida - meses, semanas, dias, ou, mesmo, horas. Quando esta "janela de morte" é clara, pode-se praticar sallekhana, fazendo a transição para a próxima vida de uma forma espiritual e pacífica. O primeiro passo  é tornar-se livre de apegos - mais especificamente, renunciar a todos os laços que o prendem à família, a casa e a posses. Neste ponto, a pessoa pratica os  três votos principais do jainismo: a não-violência, o não-absolutismo e a não possessão. Deve-se orar pedindo perdão por qualquer violência cometida nesta vida. A segunda, e última etapa, é, juntamente, com o apoio da família, um médico e um guia espiritual ir renunciando, de forma gradativa, aos alimentos e procurar concentrar-se nas orações e hinos. A pessoa que está morrendo pede à família para se juntar a ele nas orações e para evitar quaisquer explosões emocionais que possam tornar difícil sua partida. 


Como seres humanos, todos nós, um dia, enfrentaremos o momento derradeiro. Como jainista, eu sei como partirei para essa viagem quando chegar a minha hora. Cada tradição tem sua própria maneira de se preparar para a morte, e isso é importante já que, um dia, ela virá para todos.

E de fato, a maneira como você se prepara para a morte, bem antes que ela chegue, muitas vezes, faz com que sinta mais apreço por estar vivo.


(O autor deste artigo, Yogendra Jain é um tecnólogo, um empreendedor em série e um promotor e praticante apaixonado do caminho jaina de vida. Ele começou sua carreira no MIT Lincoln Labs e Texas Instruments antes de fundar e administrar várias empresas de sucesso.)



Para ver fotos referentes a prática de sallekhana clique aqui:



Sanlekhana Santhara - Welcome to Bhagwanshri



*Vinoba Bhave - ou Vinayak Narahari Bhave, nasceu em Gagode, em 1895 e faleceu em Wardha em 1982. Foi um asceta e reformador social hindu. Fervoroso seguidor de Gandhi, era considerado seu sucessor espiritual e, também, um símbolo de autoridade moral para milhões de pessoas na Índia.



Vinoba Bhave

Membro da casta brâmane, Vinoba em 1916 decidiu deixar os estudos para seguir os passos de Gandhi, cuja influencia e ensinamentos o converteram. O jovem Vinoba rendeu-se, totalmente, ao movimento de resistência passiva contra o governo britânico que, naqueles anos, seu mestre havia dado início. Seu ativismo foi punido em várias ocasiões e em 1940  foi condenado à prisão para responder ao chamado de desobediência civil por liderar a resistência não violenta  que Gandhi defendia.

Após o assassinato de seu mentor em 1948, Vinoba lançou um revolucionário projeto de emancipação agrária que incluiu a doação de terrenos para os dalits (membros da casta inferior, anteriormente chamados de "intocáveis" e agora, oficialmente, denominados "Scheduled Castes" (Castas Agendadas). Ele viajou de aldeia em aldeia para transmitir o princípio da não-violência (ahimsa) que ele tinha aprendido de Gandhi e solicitar as classes favorecidas a distribuição de terras entre os camponeses.



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Vinoba Bhave segundo a Wikipédia:

Vinoba Bhave (11/09/1895 a 15/11/1982), considerado o sucessor espiritual de Mahatma Gandhi, foi um defensor da não-violência e dos Direitos Humanos na Índia.

Prometera a Gandhi continuar a obra dele, em outro setor. Depois de alcançada a libertação nacional da Índia, faltava a emancipação econômica, que consistia, principalmente, na solução do doloroso problema agrário. Um grupo de marajás e outros latifundiários monopolizaram a maior parte das terras da Índia sem as fazerem produzir devidamente. Daí os grandes flagelos de carestia e fome que assolavam periodicamente o país, dizimando a população. Vinoba Bhave, dessa forma, iniciou um movimento pacífico e não violento que ficou conhecido como "Movimento Bhoodan", que tinha como lema: "A riqueza e a terra devem ser de todos". Tal movimento consistia em pedir doações de terras aos latifundiários para promover uma reforma agrária. Tratava-se de uma partilha voluntária dos bens, a começar pelo solo. Vinoba Bhave conseguiu a doação de milhares de hectares que foram distribuídos entre inúmeras famílias de agricultores. À tais famílias, eram, também fornecidos outros implementos, como instrumentos agrícolas, sementes e obras de irrigação, financiados por um fundo de doações em dinheiro chamado "Sampattidan".

Vinoba Bhave visitava marajás e latifundiários, a quem tinha o costume de dizer: "Venho saqueá-los com amor". Procurando tirar dos que tinham para dar aos que não tinham, ele realizou uma reforma agrária sui generis. Ensinava que tudo o que possuímos, em matéria de dinheiro, propriedade e conforto, foi conquistado com a ajuda do braço alheio, com o esforço coletivo, e, portanto, não deveríamos hesitar em dividir o que nos sobra com os outros.

Embora tivesse recebido a doação de muitas propriedades e de muito dinheiro, Vinoba Bhave nunca quis ter nada para si, tendo distribuído tudo com os mais necessitados. Andava sempre a pé. Contentava-se com o mínimo possível. Bastava-lhe ter um lençol com que cobrir a nudez e uma pequena tigela de coalhada com mel de abelha em cada refeição. Quando era recebido pelos proprietários de terras, costumava dizer-lhes: "Sou vosso filho, sou um membro da vossa família". E seus apelos diretos quase nunca eram feitos em vão. Foi um saqueador de terras curioso e conquistava o que queria através do amor. Uma espécie de Robin Hood moderno, sem arco e sem flechas, que nada queria para si, mas tudo queria para o povo.



Abaixo fotos de Vinoba Bhave










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