terça-feira, 30 de junho de 2015

MEDITAÇÃO SEGUNDO AS ESCRITURAS JAINAS


MEDITAÇÃO SEGUNDO AS ESCRITURAS JAINAS

por Dr. Rajendra Kumar & Mrs. Neelu Jain




Meditação (dhyan) é o processo de concentrar a mente em um único tema, impedindo-a de vagar. A meditação correta pode ser praticada por uma pessoa que tenha uma constituição física que lhe permita manter uma atividade de pensamentos, ou linha de raciocínio, sem desvios e que se concentre, exclusivamente, sobre a natureza do eu (self). Na verdade, a meditação correta implica esquecer todas as preocupações, desejos e conflitos e estabilizar a mente. Nessa tipo de meditação procura-se conhecer a natureza da alma - reconhecer a diferença entre a alma e o corpo material, e aprofundar-se no que seja o verdadeiro eu. Ela purifica a mente, a fala e o corpo (equilíbrio nos pensamentos, palavras e atos). No entanto, não é de nenhum proveito infligir dor ao corpo - meditar em posturas difíceis - se não existe pureza de pensamentos. Aquele que estabiliza a mente através do processo meditativo alcança a libertação. Quando a alma consegue se desembaraçar de todas as intenções e dilemas, sejam eles auspiciosos ou desfavoráveis, e atinge um estado de absorção imparcial, todos os laços que a prendem ao carma se rompem. 

Existem 4 tipos de meditação:

- a meditação dolorosa (aarta)
- a meditação impiedosa (raudra)
- a meditação justa (dharma)
- a meditação espiritual (shukla)

Os dois primeiros tipos não são muito positivos pois atraem carma indesejável. Já os dois últimos (meditação correta) são bastante benéficos; ajudam a destruir carma.




Meditação Dolorosa


A palavra aarta em sânscrito significa, dor, tristeza. Quando a atividade dos pensamentos giram em torno de temas que causam sofrimento tem-se a meditação dolorosa. Ela se apresenta de 4 maneiras:

- Janya anishtasamiog  - pensamentos persistentes de preocupação  oriundos de situações e eventos desagradáveis e ansiedade por tentar resolvê-los.


- Janya ishtaviyoga - pensamentos persistentes devido a angústia pela perda de alguma pessoa amada, objetos, riqueza, etc. e ansiedade por tentar recuperá-los.


- Janya vedana - pensamentos persistentes devido a impaciência, angústia e agonia diante da doença, etc. e ansiedade para que a saúde seja restabelecida.


- Nidaanaj - pensamentos persistentes devido a desejos por prazeres sensuais e todos os tipos de conforto.





Meditação Impiedosa


A palavra rudra em sânscrito significa inclemente, duro, sem misericórdia. Quando a atividade dos pensamentos giram em torno de temas que causam prazer em pensar ou fazer o mal tem-se a meditação impiedosa. Ela se apresenta de 4 maneiras:

- himsa anand - pensamentos persistentes devido ao prazer de provocar, ferir ou matar animais. Pensamentos persistentes de vingança contra pessoas - prazer em bater, matar ou guerrear. Pessoas cruéis, irascíveis, imorais, não religiosas, passionais entregam-se muito a esse tipo de meditação.


- mrisha anand - pensamentos persistentes devido ao prazer de mentir e enganar os outros. Esse tipo de meditação abrange uma vasta gama de intenções e alternativas baseadas na inverdade.


- chaurya anand - pensamentos persistentes devido a vontade de roubar ou apropriar-se indevidamente da riqueza ou pertences de outra pessoa. Esse tipo de meditação arquiteta como usurpar os bens alheios.



- vishaya samrakshan - pensamentos persistentes devido a planejar esquemas de como usufruir de prazeres sensuais, conforto e como acumular riquezas materiais.


Meditações dolorosas e impiedosas impedem ou dificultam a elevação espiritual. Elas obscurecem os atributos da alma. Fazem com que a disposição natural do verdadeiro eu desapareça e surjam disposições corruptas e enganosas. 




Meditação Justa


Pensamentos  construtivos e sobre uma conduta correta para si mesmo e para os outros é a meditação justa. É uma das causas da purificação da alma. Ao praticar essa meditação em todos os seus aspectos o verdadeiro espírito das três joias jainas que são - fé (ou percepção) correta, conhecimento correto e conduta correta - é alcançado e acontece o desprendimento do carma. A meditação justa é de quatro tipos:


- aajnavichaya - meditação orientada pela doutrina, isto é, meditação sobre a realidade tal como descrito nas escrituras.


- apayavichaya - meditação que envolve pensar  sobre  sobre como ajudar a si mesmo e aos outros a se livrar de vícios tais como apego, aversão, ilusão. 


- vipakavichaya - meditação que implica concentrar-se na natureza e fruição de diferentes tipos de carma, observando  o prazer e a dor mundanos.


- sansthanvichaya - meditação sobre a natureza e a estrutura do universo.


Uma das formas da meditação justa é baseada  na contemplação sobre a alma que reside no corpo. Na realidade, a alma é consciente e tem percepção absoluta e conhecimento. No entanto, ela tem apegos e aversões por conta do carma (relação de causa e efeito). O corpo físico também é uma manifestação do carma. Embora a alma seja distinta do corpo material e é sem forma é dito ter uma forma devido a sua  associação com a matéria. Pensar sobre isso  constitui a base da meditação justa. A meditação justa leva a purificação da alma. As cinco visualizações (dhaaranas) que podem ser utilizadas para esse tipo de meditação são:


- paarthvi - visualização da terra

- aagneyi - visualização do fogo
- vaayu - visualização do ar
- jala - visualização da água
- tattvaroopvati - visualização da realidade

Visualização da terra - consiste em visualizar- criar uma imagem mental - de um oceano  de água pura no meio do universo; sobre o oceano uma enorme flor de lótus dourada de mil pétalas que representa a terra; no centro da flor de lótus um bosque, no bosque uma alta montanha e  em cima da montanha uma enorme pedra; imagine sobre essa pedra um trono de cristal branco. O aspirante deve visualizar-se sentado em posição de lótus no trono de cristal e meditar sobre os meios de destruir o carma.


Visualização do fogo: Sentado no trono de cristal, descrito acima, o aspirante deve imaginar uma flor de lótus branca de dezesseis pétalas subindo de seu umbigo. As dezesseis letras de ouro da escrita alfabeto-silábica devanagari* estão gravadas nas pétalas e a palavra sânscrita "Hram" está escrita no centro da flor. O aspirante deve ainda visualizar um outro lótus de oito pétalas perto de seu coração, considerando que, as oito pétalas representam os oito tipos de carma.


Nota:

devanagari (lê-se devanágari) é uma palavra composta com duas raízes: "deva" que significa divindade e "nagari" que significa urbanidade, polida, cortes.  A escrita devanagari portanto quer dizer - escrita dos deuses ou escrita religiosa sofisticada. O devanagari é um abugida, isto é, um conjunto de sinais utilizados para representar os fonemas de uma língua (Está a meio caminho de um alfabeto e um silabário). Algumas línguas da Índia como o hindi e o sânscrito utilizam o devanagari. O devanagari é escrito e lido da esquerda para a direita.

Em seguida o aspirante deve visualizar fumaça saindo da parte superior da palavra "Hram" e chamas queimando o lótus do coração. Isso simboliza que o carma está sendo queimado. Visualiza, depois, que essas chamas também atingem sua testa. Essas chamas se dividem  em duas metades que atingem o topo da cabeça dos dois lados. Esse fogo triangular acaba por engolfar todo o corpo. Imagina que esse fogo consiste de chamas na forma da letra devanagari "ra". No triângulo de fogo, nos três vértices,  do lado de fora estão inscritos  os símbolos da vida; no lado de dentro  o mantra "Om Hram". O praticante deve pensar que a chama interior está destruindo o carma, enquanto que a chama exterior  está consumindo o corpo; que todo o seu carma e todo o seu corpo são reduzidos a cinzas. Com isso as chamas abrandam.


Visualização do ar - Dando continuidade a meditação acima, o aspirante deve imaginar um poderoso turbilhão. O ciclone em torno dele tem a palavra sânscrita "Swayn" escrita em oito lugares. Cada uma dessas palavras está soprando as cinzas do karma e do corpo. Depois disto a alma se purifica.


Visualização da água - Na fase seguinte o aspirante deve imaginar que nuvens escuras encheram o céu. Há uma tempestade acompanhada de relâmpagos e trovões. Uma poça de água, se forma em torno do meditador. A letra devanagari "pa" está escrita em muitos lugares dessa poça de água. Riachos de água, agora, estão fluindo.  As cinzas cármicas estão sendo lavadas e a alma está sendo, completamente, limpa.


Visualização da realidade - Na fase final , o aspirante pensa que ele é perfeito, onisciente, puro e a alma consciente, livre de todas as associações materiais cármicas. 


Os cinco exercícios acima constituem a meditação justa baseada na realização. Essa meditação contribui para eliminar o carma e gradualmente revela os atributos da alma (conhecimento, percepção, felicidade e energia).


A meditação justa baseada em Mantras é o pensamento concentrado sobre as cinco personalidades supremas (Arihantas, siddhas, acharyas, upadhyayas e sadhu) e sobre a natureza da alma com a ajuda de um som, sílaba, palavra, frase ou texto. O aspirante visualiza um mantra escrito num local pré-determinado, por exemplo, na frente do nariz ou entre as sobrancelhas e concentra-se nele. Nesta meditação o pensamento fixo nas cinco personalidades supremas tem o intuito de inspirar-se nelas para que consiga atingir o mesmo grau de elevação espiritual; dessa maneira o meditador elimina carma e  purifica sua alma. Uma forma fácil de praticar essa meditação é visualizar uma flor de lótus com oito pétalas perto do coração. Em cinco pétalas da flor estão escritas as cinco linhas do Namokar Mantra:


Nós reverenciamos os seres humanos supremos (arihantas)

Nós reverenciamos as almas perfeitas (siddhas)
Nós reverenciamos os mestres espirituais (acharyas)
Nós reverenciamos os sábios acadêmicos (upadhyayas)
Nós reverenciamos todos os ascetas (sadhus)

E nas três restantes pétalas do lótus está escrito em cada uma:


Nós reverenciamos a percepção correta

Nós reverenciamos o conhecimento correto
Nós reverenciamos a conduta correta

O aspirante deve se concentrar no mantra de cada pétala o máximo de tempo possível.


A meditação justa baseada em imagens visualiza o arihanta (o ser humano supremo) sentado na postura de meditação na assembléia religiosa (samavasharan) que tem doze seções. O aspirante se conceentra em que o arihanta possui o quarteto infinito (chatushtaya anant), isto é, a percepção infinita, a felicidade infinita, o poder infinito e está além de todo apego. 


A meditação justa intangível é a meditação em que o aspirante se concentra nos atributos abstratos das almas perfeitas (sidhas). Ele recorda que os siddhas são sem forma, emancipados, serenos, são pura consciência, livre de carmas e estão além de todo apego. Eles possuem os oito atributos: o racionalismo absoluto, a percepção absoluta, o conhecimento absoluto, a igualdade de status, a eternidade, a sutileza, a felicidade infinita e a não interferência. Em seguida, o aspirante deve pensar que ele mesmo é, potencialmente, uma alma perfeita, uma alma suprema (paramaatma), um ser onisciente que é livre de cativeiro cármico.






Meditação Espiritual


A concentração alcançada por uma mente imaculada é a meditação espiritual. A meditação espiritual é composta de quatro estados: múltiplo aspecto (prathakatva savitarka savichar), único aspecto (ekatva savitarka avichar), atividade sutil (sookshma krya apratipaati) e absorção  em si mesmo (vyuparat kriya nivarti).


- Meditação espiritual denominada múltiplo aspecto - é realizada pelo aspirante que tem conhecimento das Escrituras e que está tentando atingir os estágios espirituais mais elevados e por isso procura eliminar a conduta ilusória criadora de carma. O aspirante se concentra no significado dos vários aspectos da realidade.


- Meditação espiritual denominada único aspecto - é a contemplação em um único aspecto da realidade com base no conhecimento das escrituras por um aspirante que já está  num estágio espiritual livre de ilusões. Esse tipo de meditação elimina os carmas destrutivos e leva a onisciência.


Meditação espiritual denominada atividade sutil - é realizada por um onisciente que conseguiu eliminar as atividades brutas do corpo, da fala e da mente e possui apenas atividades sutis. Em tais casos a associação da alma com o corpo é manifestada apenas por movimentos sutis de pontos espaciais da alma.

Meditação espiritual denominada absorção em si mesmo - é realizada por um onisciente que conseguiu eliminar até mesmo a atividade sutil da alma, apesar de sua associação, ainda, com o corpo. Todas as atividades (dos pontos espaciais da alma) cessam nesta meditação. Assim, o afluxo que produz carma, fica paralisado e o onisciente alcança a libertação. 

Estas são, pois, os tipos de meditação de acordo com os ensinamentos jainas.

É interessante notar que, embora os jainistas tenham desenvolvido exercícios meditativos altamente producentes eles, tradicionalmente dão pouca atenção para os caminhos mágicos do despertar, caminhos esses, tão fortemente favorecidos por outras escolas indianas. Por isso, não encontramos nos textos antigos jainas qualquer menção sobre o controle da respiração praticada por yogues (pranayama) ou dos centros místicos da energia psíquica (a kundalini ou os chakras, por exemplo). Os mestres jainas parecem ter sentido verdadeiro repúdio pelos poderes ocultos e as práticas que visam gerá-los; tais técnicas, geralmente, são manipuladas para fins destrutivos - egoísmo, ganância, vaidade, etc. - por isso devem ser evitados.

Nenhum comentário:

Postar um comentário