domingo, 12 de abril de 2015

FUNDAMENTOS DO JAINISMO


FUNDAMENTOS (TATTVAS) DO JAINISMO




Os jainistas estão divididos em dois grupos principais: os "Digambaras" (vestidos de espaço) e os "Svetambaras" (vestidos de branco).  Cada um destes grupos encontra-se dividido em vários subgrupos.  A maioria dos jainas pertencem ao grupo ou seita Svetambara.  O que é interessante observar sobre as várias seitas dentro da filosofia jaina é que, enquanto um grupo pode rejeitar as escrituras de outro (os Digambara rejeitam o cânone Svetambara) isso não resulta em conflito sectário.  Cada grupo não considera o outro como rival, mas, simplesmente, como outro ponto de vista que leva ao mesmo caminho.  Há pontos dessa religião, porém, que são comuns a todas as seitas jainistas.  As Três Jóias do jainismo (Reto conhecimento, Reta fé e Reta conduta) e os nove princípios (tattvas)  jainistas são exemplo disso.

Os 9 princípios (tattvas) jainistas:  os jainistas acreditam nos nove princípios (ou realidades ou verdades) também conhecidos como "tattvas" ou "navtattvas" que nada mais são do que uma tentativa de entender e explicar a natureza e dar solução para o dilema humano.  Se um  jaina desconhece esses princípios ele considera que não se pode avançar no sentido da libertação.  Os nove tattvas são:                                            

1 -   Jiva:  Todos os seres vivos são chamados de Jivas.  Os Jivas tem um consciência conhecida como alma, que é também chamada de Atma.  A alma e o corpo são dois aspectos distintos do ser.  Ela é descrita como um tipo de energia que é invisível, indestrutível e sem forma.  O jainismo divide os Jivas em cinco categorias que variam segundo o número de sentidos e grau de mobilidade que eles possuem.  O corpo físico é apenas uma casa para a alma.  No momento da morte, a alma deixa o corpo para ocupar um novo.  A alma tem uma capacidade infinita de conhecer e perceber (conhecimento e percepção).  Esta capacidade da alma não é experimentada no estado atual dos seres vivos por causa de carmas acumulados.

2 -   Ajiva (matéria inanimada):  Qualquer coisa que não tenha uma alma é chamado de ajiva.  Qualquer coisa que não tem vida ou consciência é ajiva.  Ajiva significa literalmente, sem alma e, portanto ajivas não podem acumular quaisquer carmas.

3 -   Punya (resultado das boas ações):  Ao realizar atividades saudáveis se adquire punya ou bom carma.  Exemplos de atividades saudáveis: praticar a caridade, propagar a religião, praticar a não violência (ahimsa), etc...  Quando punya se estabelece ele traz conforto e felicidade para o ser.

4 -   Pap (resultado de más ações):  Ao realizar atividades ruins se adquire pap ou mau carma.  Exemplos de atividades ruins: ser cruel ou violento, mostrar desrespeito pelos superiores, ser arrogante, enganar os outros, etc...  Quando pap se estabelece ele traz sofrimento, miséria e infelicidade.

5 -   Asrav (afluxo de carmas):  A afluência de partículas cármicas para alma é conhecido como asrav.  É causada pelas crenças erradas, inobservância dos votos, pelas paixões, negligências e por certas atividades mentais, verbais e físicas.

6 - Bandh (escravidão ao carma): refere-se a ligação de partículas de carma na alma.  Ocorre quando reagimos a qualquer situação com um sentimento de Apego ou aversão.

7 -  Samvar (paralisação do carma):  Este é o processo pelo qual o fluxo de partículas de carma é imobilizado.  Isto é conseguido através da observância dos votos e regras de conduta pregadas pela religião.

8 -   Nirjara (erradicação do carma):  O processo pelo qual se pode eliminar o carma é chamado de nirjara.  Carmas podem ser lançados fora por métodos ou esforços passivos ou ativos. Quando passivamente esperamos os carmas amadurecerem e os seus resultados darem-se a seu tempo, ele é chamado de Akam Nirjara.  Por outro lado, se nos esforçamos para que os carmas amadureçam mais cedo do que no devido tempo, ele é chamado de Sakam Nirjara.  Sakam Nirjara pode ser alcançado através da realização de penitências, arrependimentos, pedindo perdão pelo desconforto ou lesão que provocamos em alguém, meditação, etc...

9 -   Moksha (liberação):   Quando nos livramos de todos os carmas conseguimos a liberação ou moksha.


Citaremos dois exemplos destes princípios fundamentais que são explicados por jainistas estudiosos do assunto:


- Um homem monta um barco de madeira para chegar ao outro lado do rio.  Agora, o homem é "Jiva", o barco é "Ajiva".  O barco tem um vazamento e começa a entrar abundante água dentro dele.  Essa entrada de água dentro da embarcação é "Asrava" e o acúmulo dessa água é "Bandha".  O homem tenta salvar o barco, tapando o buraco.  Esse bloqueio da água é "Samvara".  O homem joga fora a água que se acumulou dentro dele.   Isso é "Nirjara".  O homem, então, atravessa o rio e chega ao seu destino.  Isso é Moksha.


-  Um homem vive em uma casa com sua família.  Certo dia eles estavam desfrutando de uma brisa fresca vinda do exterior e que penetrava pelas janelas e portas da casa.  No entanto, de repente, o tempo mudou e uma tempestade terrível de poeira invadiu a residência.  Imediatamente a família fechou as portas e janelas.  Mas, ainda assim, perceberam que já havia entrado muita sujeira para o interior dos recintos.  Fechadas as portas e janela eles se puseram a faxinar para que tudo ficasse limpo novamente.  Este cenário simples  pode ser interpretado assim:  "Jivas" seriam as pessoas que vivem dentro da casa.  "Ajiva" seria a casa. "Punya" seria o prazer resultante da brisa fresca.  "Pap" seria o desconforto resultante da tempestade.  "Asrava" seria a entrada de poeira dentro de casa.  "Bandha" seria o acúmulo de poeira dentro de casa.  "Samvar" seria o fechamento das portas e janelas para impedir que mais sujeira entrasse.  "Nirjara" seria a faxina feita para limpar  casa.  "Moksha" seria a casa já limpa, que é equivalente a alma já livre de todas as impurezas cármicas.


Estes são os 9 princípios (tattvas) da filosofia jainista e leigos, monges e freiras, acreditam que pautando suas vidas baseados nestas verdades, seja este um caminho para a libertação.





Para um entendimento mais detalhado sobre este assunto transcrevemos aqui um artigo de Jayaram V - mestre e autor de artigos sobre religiões indianas, filosofia, misticismo e espiritualidade:

O TATTVA DO JAINISMO 

por Jayaram V


Essencialmente a doutrina do jainismo gira em torno dos tattvas, livremente traduzido para o inglês como substâncias básicas, ou verdades, ou realidades que são descritos no Tattvardtha Sutra.  A doutrina dos tattvas é comum ao hinduísmo, ao jainismo e ao budismo e várias escolas da filosofia indiana.  No entanto, eles diferem no que diz respeito à natureza, número e composição dos tattvas.  Por exemplo, o Samkhya reconhece 24 tattvas enquanto o Saivism (Shivaísmo) reconhece 36.  Segundo eles os tattvas são essencialmente parte do corpo, bem como a natureza dos sentidos, a mente, o ego, a inteligência, etc.  No hinduísmo, Brahman ou Isvara é considerado o maior e o mais puro tattva (suddha tattva).

O jainismo segue um modelo completamente diferente.  No jainismo tattvas são substâncias reais, que são incriadas.  Elas são responsáveis por vários estados ou condições em que se encontram as almas individuais, e não meros blocos de construção teórica ou partes do corpo.  Os tattvas são também, comparativamente, em menor número.  Os Digambaras reconhecem sete tattvas, enquanto os Svetambaras reconhecem nove.


Não existe o conceito de tattva  nas religiões ou filosofias ocidentais.  Traduzir tattvas como substância ou realidade não faz muito sentido para aqueles que não estão muito familiarizados com o termo.  Podemos falar dele como uma manifestação material, ou um ingrediente chave do mundo em que vivemos.  Uma vez que muitos dos tattvas aqui mencionados são difíceis de traduzir, as palavras originais em sânscrito e seus equivalentes em inglês são usados neste artigo. 


De acordo com as crenças jainistas, um tattva é uma realidade básica e, definitivamente representa um aspecto da existência. Em si mesmo é incompleto, mas em conjunto com outros tattvas formam parte de toda a existência.


Todos os tattvas são eternos.  Eles podem ter estados e modos, mas são indestrutíveis.  Eles não são construções mentais ou noções metafísicas, conforme são considerados em algumas religiões, porém são os aspectos reais da existência que compõem o todo.  É verdade, inclusive, com relação a tattvas tais como tempo e carma.  São verdades substanciais e não conceitos metafísicos.


Os sete tattvas dos Digambaras e os nove tattvas dos Svetambaras estão listados na tabela a seguir:


Digambaras:


1 - Jiva - a alma individual

2 - Ajiva - a matéria inanimada
3 - Asrava - o afluxo de carma
4 - Bandh - escravidão ao carma
5 - Samvar - paralisação do carma
6 - Nirjara - erradicação do carma
7 - Moksha - a libertação ou a salvação

Svetambaras:


1 - Jiva - a alma individual

2 - Ajiva - a matéria inanimada
3- Punya -  mérito ou fruto do bom carma
4 - Pap - pecado ou fruto do mau carma
5 - Asrava - o afluxo de carma
6 - Bandh - escravidão da alma
7 - Samvar - paralisação do carma
8 - Nirjara - erradicação do carma
9 - Moksha - a libertação ou a salvação

Em ambas as listas os dois primeiros tattvas representam os estados fundamentais da existência.  O restante deles estão relacionados com as condições decorrentes da presença, ausência ou propriedades do carma para o qual as almas estão sujeitas.  Moksha ou libertação é a maior realidade que as almas podem aspirar. Alcançando moksha a alma desfruta de liberdade eterna, onisciência e felicidade sem fim. 


O conhecimento dos tattvas constituem conhecimento correto. Esse conhecimento desempenha um papel vital na libertação dos jivas.  Por isso todo seguidor do jainismo deve estar ciente dos tattvas e aceitá-los como absolutos.




  Deus

Outra característica notável do tattvas jaina é a ausência de Deus.  Os jainas descartam qualquer noção de um Ser Supremo ou um criador como fonte de toda a manifestação.  Eles aceitam a diversidade do mundo conforme está, sem atribuí-la a uma causa singular e última.  Para eles a matéria (dravya), em suas inúmeras formas, é verdadeira e eterna e responsável pela diversidade e modificações.


Embora o jainismo reconheça a matéria como a realidade última e refuta todas as noções de um Ser (Deus) imaterial, apátrida e transcendental, não podemos equiparar o jainismo com o ateísmo do ocidente ou o materialismo dos Carvakas porque ele acredita na natureza eterna e espiritual das almas individuais e sua libertação.


Para o jainismo as almas individuais são tão reais e materiais quanto os seres individuais.  Eles representam a mesma realidade última e eterna em diferentes condições.  Uma alma sempre tem um corpo, tamanho e forma, constituída de moléculas e átomos de frequências diferentes.  No estado ligado é bruto e em estado liberado é sutil.  Ele não reconhece um Deus universal, mas, certamente, afirma a existência de deuses e seres perfeitos e na possibilidade de cada alma individual crescer em divindade através do esforço próprio - que inclui austeridade, auto purificação e,  por final, libertação do ciclo de nascimentos e mortes.


Uma alma onisciente é nada menos que um Deus, onipotente, capaz e tudo sabe, mas não se preocupa com a criação, preservação e destruição do mundo, que são processos inerentes à existência e não necessita de qualquer força externa ou esforço especial para mante-los.


O mundo passa por modificações de preservação e destruição ou períodos de ascensão e queda, como as ondas de um oceano, mas tais processos são inerentes à existência, sem causas subjacentes.  Mesmo as realidades essenciais do Dharma e Adharma no jainismo são meros meios que facilitam ações e inações sem uma causa. 


Para os jainistas alma em seu estado onisciente é a mais alta realidade a que todo ser humano deve aspirar para escapar do sofrimento e escravidão que caracterizam seu estado atual.




Jiva

A palavra Jiva no jainismo denota tanto um ser vivo quanto uma alma individual.  A alma em um estado ligado desenvolve um corpo bruto perceptível e em seu estado liberado possui um corpo sutil imperceptível.  Em ambos os casos a alma tem substância ou matéria e ambos são modificações da mesma entidade.  No estado ligado tem conhecimento limitado, adquirido indiretamente através da agência da mente e suas faculdades, enquanto no estado de libertação tem conhecimento direto e imediato de tudo através de sua própria onisciência.


De acordo com o jainismo, uma alma tem também dimensões, e está sujeita a expansão e contração, dependendo do corpo que ocupa.  Uma vez que a alma é sempre maior do que o corpo que o envolve, quando o corpo cresce e muda seu tamanho e forma devido a idade e outra condições, a alma também cresce e muda proporcionalmente.


Quando um ser morre sua alma se contrai numa forma de semente e sai do corpo.  Em outras palavras, no jainismo uma alma individual é uma forma de matéria sutil preenchida com a força da alma e muito diferente do Ser dos Upanishads, que é constante, infinito, desprovido de matéria e livre de modificações e atributos.


Uma alma é livre ou ligada.  Em seu estado ligado ela esta sujeita ao carma e renascimento.  Na terra, dependendo de seu carma, uma alma pode nascer em um corpo móvel ou imóvel. Seres imóveis, geralmente, são organismos inferiores que tem somente o sentido do tato.  Um bom exemplo são as plantas. Alguns seres tem corpos diminutos, tais como os micro organismos e podem existir em aglomerados...  Para os jainistas que praticam a não violência e não querem ferir, nem fazer mal aos Jivas essa crença cria sérios problemas.


Seres vivos também são classificados segundo o numero de sentidos que eles têm - como seres que tem dois sentidos, seres que tem três sentidos e assim sucessivamente.  Seres com  cinco sentidos são os mais evoluídos.  Eles são divididos em aqueles que têm uma mente e inteligência e os que não têm.  Algumas almas ligadas são capazes de conseguir a libertação através do auto-esforço devido a qualidade chamada "bhavyata", mas algumas, devido à falta dela, permanecem muito tempo ligados ao ciclo de nascimentos e mortes.




Ajiva

Se Jiva é a realidade viva, Ajiva representa a realidade inanimada.  Na visão jainista todo o universo é composto basicamente destas duas realidades fundamentais.  São como o corpo e a alma, o dia e a noite da existência.  Não se pode dizer que um é mais importante do que o outro, pois ambos sãointerdependentes.


A matéria sem vida, inerte é chamada de Ajiva.  É o objeto em relação com a   alma individual ou a Jiva, que é o sujeito.  Ajiva é também substância (dravya), como outros tattvas, que está sujeita às qualidades e modificações.  Pode ser encontrada nos dois modos básicos, com forma (rupa) e sem forma (arupa).


Dravyas arupa (substâncias sem forma) são dividas em dharma, adharma, espaço e tempo.  Há apenas uma dravya rupa chamada pudgala, feita de átomos e moléculas.  É o barro da existência encontrado onipresente em todos o objetos perceptíveis, órgãos e suas partes.


Dharma dravya é o princípio do movimento, sem qualidades.  É "meio de movimento para os objetos, como a água, embora não seja sua causa".  Adharma dravya é o princípio de descanso. Ele também é desprovido de qualidades, como a sombra, mas não a sua causa.


Tanto o dharma como o adharma não têm nenhuma das propriedades da matéria, porém são realidades universais auto-sustentáveis em que os seres e os objetos são capazes de mover-se e descansar de acordo com suas próprias qualidades.


Espaço (Akasha) proporciona o campo para que existam outras substâncias, enquanto que o Dharma e o Adharma torna possível que eles se movam e descansem nele.  O espaço é uma realidade onipresente e infinita.  Ele consiste em: o espaço  em que existem os mundos (lokakasa) e o espaço exterior (alokakasa), que só é perceptível para os seres oniscientes.  O primeiro (lokakasa) é subdividido em diferentes regiões dependendo do que exista nestes mudos.


O tempo é outra realidade fundamental que suporta todas as alterações e modificações a que tanto a Jiva quanto a Ajiva estão sujeitos, sem ser causa delas.  As alterações e modificações ocorrem na presença do tempo - o que pode ser medido em unidades de tempo.  No entanto, o tempo não é a sua causa.  Assim como a pedra sob uma roda de oleiro apoia as ações do oleiro, que indica as mudanças, mas não é ela a causa dessas mudanças.


O tempo tem existência (astitva), porém nenhuma formação (kayatva).  Apesar de que se compõe de pontos intermináveis dispostos linearmente, só o momento presente é perceptível aos seres - o resto é convertido em passado ou futuro para eles.  O tempo também tem dois aspectos distintos: aspecto infinito (kala), que é sem um começo e sem um fim e imensurável; e um aspecto finito (samaya), que tem um princípio e um fim, e que pode ser medido em unidades de tempo como segundos, horas, etc.  No jainismo, como no hinduísmo, o tempo é considerado cíclico (cakra).  Também é descrito como a morte e destruidor porque até alcançarem a libertação, os jivas estão sujeitos à morte e renascimento em pontos específicos de tempo.


Pudgala é a matéria que é perceptível aos sentidos e se manifesta como corpos, partes corporais, objetos dos sentidos, a mente física e a substância do carma.  Ela é  composta de partícula finas chamadas átomos (paramanu), que são invisíveis a olho nu, mas estes átomos juntos, como agregados, formam os diversos objetos, órgãos, organismos e as coisas. Pudgalas podem existir como átomos ou em formas agregadas.


Os átomos de pudgala têm o pode de atrair e repelir.  Seu movimento, o descanso e a agregação são possíveis graças ao Dharma, Adharma e o Espaço.  Ao contrário de outros tattvas, pudgalas e os átomos presentes nela tem as qualidades de cheiro, gosto, cor e é táctil.  Cada uma das qualidades têm nuances mais sutis e variações como bom e mau, claro e escuro, quente e frio, doce e amargo, etc.  Com base na sua agregação pudgalas são de seis tipos: super fina (suksmatisuksma), fina (suksma), ligeiramente bruta (suksma-sthual), moderadamnete bruta (sthula-suksma), bruta (sthula) e muito bruta (sthuala- sthual.  Pode-se ver, também, em um pudgala diversa condições tais como, a luz, a escuridão, a sombra e o som devido a atividade dos átomos presentes na mesma.




Asrav

Asrav se refere ao afluxo de carma.  De acordo com o jainismo o carma é uma substância que tem materialidade (pudglalika). Não é um mero efeito ou consequência, como se acredita no hinduísmo e no budismo.  Cada alma unida ao ciclo de nascimentos e mortes é penetrada por essa substância por causa de suas ações e movimentos.  Isso resulta na formação de um corpo ocasional (karmasarira) em cada alma, que permanece agarrado a ela até a sua libertação.  Toda a ação e inação de um ser resulta na entrada de carma.  Essa entrada de carma acaba encobrindo a inteligência e a onisciência da alma.


Os filósofos jainas identificam cinco causas para o afluxo de carma, a saber: a ilusão ou a falsa crença (mithyatva), a indulgência para com os prazeres (avirati), a negligência ou descuido (pramad), paixões (kashayas) e as ações da mente e do corpo (yoga).  Eles também reconhecem oito tipos principais de raízes do carma (mulaprakriti), dependendo do que eles cobrem ou influenciam e 148 derivados de carma (prakriti uttara).


Os oito principais carma são: ações que ocultam conhecimento (jnanavarana-karma), ações que ocultam a visão e a percepção (darasanavara), ações que criam sentimentos de atração e aversão(vedaniya), ações que levam à ilusão (mohaniya), ações que influenciam tempo de vida (ayuh), ações que influenciam nome e forma (nana) de um indivíduo, as ações que influenciam a linhagem de uma pessoa e o nascimento (gotra) e as ações que obstruem a alma de conhecer e se tornar livre (antaraya).




Punya


Punya é o fruto das boas ações.  É livremente traduzido como virtude.  Segundo as escrituras jainistas, punya é o resultado da conduta correta (charitra) que é decorrente do conhecimento correto (jnana), fé (sraddha) e supremo esforço.  A fé deve estar enraizada no amor (anuraga) para que o esforço supremo seja feito de boa vontade (virya).



Em outras palavras, punya surge de ações virtuosas realizadas com o conhecimento, inteligência, fé, amor e determinação.  Ao realizar constantemente ações corretas uma alma se transforma, pouco a pouco, tanto mental com fisicamente.


A tradição  jainista identifica formas de como se pode realizar boas ações e ganhar punya.  São elas: alimentar os famintos, matar a sede dos sedentos, dar roupa aos pobres e indigentes que não têm o que vestir, abrigar os sem-teto, fornecendo acomodações e roupas de cama para aqueles que estão cansados e oprimidos, recompensar e homenagear as pessoas piedosas e veneráveis, atender as necessidades de quem precisa e reverenciar os idosos e as pessoas virtuosas.


As boas ações por si mesmas não podem libertar a alma, mas criam condições favoráveis para o seu gozo, sua paz e felicidade na forma de um bom nascimento, como ser humano em uma boa família ou como um deus no mundo dos deuses, com um corpo bem proporcionado e disposição agradável.




Pap  

Pap é fruto das más ações e pecados.  É reduzido livremente como vícios diretamente atribuídos as paixões e emoções negativas.  Os vícios (Pap) são devidos a falta de conhecimentos adequados e falta de força moral.  Se punya surge quando, voluntariamente, se escolhe realizar boas ações e evitar a más, Pap surge quando, voluntariamente, e escolhe realizar ações ruins e evitar as boas.


Em ambos os casos, os fatores determinantes são as ações voluntárias realizadas pela alma e as escolhas que ela faz de bom grado.  Em geral a ilusão (mithyatva) e más intenções (duhsilatva) resultam em más ações.


A ética jaina identifica 18 tipos ações que resultam em Pap. Elas incluem: 


violência para com os eres vivos, 

inverdade, 
roubo, 
impureza e falta de castidade,
possessividade e cobiça,
raiva,
arrogância e egoismo,
engano e hipocrisia,
ganância,
apego,
ódio,
disputa,
acusação e difamação,
fofoca,
crítica,
indulgência dolosa de prazer e dor, gostar e não gostar,
malícia,
crenças erradas,

Esses 18 tipos de ações resultam em 82 tipos de carma que se ligam  alma no ciclo de nascimentos e mortes.




Bandh

Bandh significa união ou entrelaçamento do Jiva com as diversas substâncias inertes (Ajiva).  É causada pelo afluxo de carma na alma de acordo com suas obras.  A alma passa a estar vinculada a determinados estados e modos como a ignorância, a ilusão, crescimento, envelhecimento, doença, nascimento, morte e renascimento perdendo de vista, com isso, sua onisciência e sua natureza feliz.


Enquanto a questão cármica está ligada as almas, estas estão sujeitas aos ciclos de nascimentos e mortes (sansara) e ao fruto de suas ações.  Atadas aos seus corpos elas continuam a sua existência em vários estados de ilusão e impureza, com conhecimento e capacidades limitados. 


As almas são ligadas de acordo com o tipo de carma que flui para elas.  Tal escravidão resultante do afluxo de carma é tanto subjetiva (bhava) e objetivo (draya).  A escravidão subjetiva surge do apego a sensação de individualidade ou apego ao ego. A escravidão objetiva surge do apego às coisas materiais. Dependendo da forma como o carma pode se fundir a alma a escravidão é classificada em 4 tipos:


prakriti bandha - ela decorre do prakritis karma, ou seja, das ações que são prejudiciais e não prejudiciais para a alma; o que resulta na sua visão, no seu conhecimento, no seu status e no seu nascimento.


bandha sthiti - está escravidão está relacionada com o tempo de duração que um carma pode ficar fundido a alma.  


bandha anubhaga - esta escravidão é decorrente de ações que afetam drasticamente a natureza e o caráter de um indivíduo e deixam impressões fortes difíceis de apagar.

  
bandha pradesha - esta escravidão está relacionada com os lugares específicos na alma onde o carma pode se acumular e influenciar o seu curso de existência.



Samvar

O primeiro passo para por fim a escravidão das almas e libertá-las do ciclo de nascimentos e mortes de modo que o ser retorne ao seu estado de onisciência e autonomia (swaraj) e deter o afluxo de carma.  Este estado é chamado samvar.


Ele pode ser praticado tanto subjetivamente por se viver virtuosamente, observando os votos e os preceitos morais como objetivamente por desligar-se os canais de carma através dos quais ele flui na alma.


Os textos jainas prescrevem 57 tipos de samvar divididos em: 5 samitis, 3 guptis, 10 yati-dharmas, 8 bhavanas, 26 parisahajayas e 5 charitras.


Samitis são movimentos ou ações voluntários de um jiva praticados de acordo com as escrituras ou leis ordenadas como caminhar com cuidado, cuidado com alimentação, cuidado com o falar, etc.


Guptis são ações realizadas para controlar a natureza interna de um jiva, como controlar a mente, restringindo pensamentos tristes, cultivando a equanimidade e a introspecção, etc.


Yati-dharmas são os deveres de um monge que são dez: o perdão, a humildade,  simplicidade, a ausência de cobiça, a austeridade, contenção, veracidade, pureza, renúncia e castidade.


Bhavanas são estados mentais alcançados pela meditação sobre certos aspectos da realidade ou existência, como a impermanência, a impotência da alma, a natureza do mundo, a solidão da alma, a distinção entre a alma e o corpo, o afluxo de carma, etc.


Parisahajayas referem-se a resistência a vários tipos de dificuldades que um buscador da libertação da alma, voluntariamente, sofre para deter o fluxo de carma e purificar-se.  Exemplos: resistir a fome, sede, frio, calor, picadas de insetos, nudez, presença do sexo oposto, provocações e insultos, danos pessoais, insônia, etc.


Charitras são regras de conduta que um jaina tem que praticar para deter o fluxo cármico tais como: abandonar más companhias e retirar-se em reclusão, confessar seus pecados a um mestre, purificar o coração e a mente, servir a monges que estão engajados na austeridade, cultivar indiferença para com as coisas do mundo, manter-se sempre em vigilância contra os pensamentos daninhos, cultivar a reflexão e a introspecção.


Estes vários tipos de ações, restrições e observâncias, gradualmente, detêm o afluxo de carma na alma e permite que o jiva progrida no caminho da libertação e auto purificação.




Nirjara

Nirjara significa lavar ou remover a matéria cármica presente na alma para que o corpo casual, a cobertura externa, que é responsável pelo renascimento, esteja completamente desintegrado e destruído.


De acordo com os textos jainas isso pode ser realizado de duas maneiras: de forma passiva, permitindo que o carma se esgote por si mesmo ou de forma ativa praticando penitências e austeridades e observar todos os votos prescritos nas escrituras. A forma passiva é conhecida como akama nirjara.  A forma ativa é  sakama nirjara.


Akama nirjara é impraticável de forma total porque asrav ou o ingresso de carma para alma é contínuo e não para por conta própria, já que é impossível viver sem realizar nenhuma ação. Alguns carmas podem ser extintos durante uma encarnação, outros não; sendo assim, estes, serão levados adiante para frutificarem na mesma alma, mas num outro corpo.  Ao mesmo tempo, a cada nova encarnação novos carmas continuam fluindo devido as ações realizadas durante a vida.


Dependendo de como os carmas se acumulam e frutificam nas almas, no jainismo, como no hinduísmo, eles são classificados em 4 tipos:


Satta karma - é todo o carma latente do passado  e que está, presentemente, acumulado na alma.


Bandha karma - é o carma que se acumula na alma na vida atual e irá frutificar no futuro.


Udaya karma - é o carma que veio com o ser no início da sua vida e frutificará no decorrer dela moldando o seu destino.


Udirana karma - é o carma que frutifica pelo esforço e vontade do indivíduo antes que ele esteja destinado a frutificar.  Em outras palavras - o carma é forçado a ser realizado prematuramente por esforços especiais por parte da alma.


Assim, podemos ver que akama nirjara não ajudará a alma, em absoluto, a eliminar todos os carmas; esta não é uma abordagem sensata.  A abordagem correta é praticar sakama nirjara ou limpeza ativa pela queima das sementes cármicas através de austeridades, que são de dois tipos: austeridades externas (tapah bahya)  e austeridades internas (tapah antar). A primeiro é útil na limpeza do corpo físico e o última na limpeza da mente.


As austeridades externas se realizam de seis maneiras:


pelo jejum para purificar os sentidos; 

evitando refeições completas para remover a inércia e a preguiça:

pondo certas restrições nas refeições - na quantidade, na duração, na frequência e no número de itens alimentares  para cultivar a moderação e a força de vontade;

renunciar a itens de alimentos saborosos para cultivar o desapego;

suportando a dor física e o desconforto para cultivar a equanimidade nas dualidades da vida tais como calor e frio; 

retirando a mente dos objetos dos sentidos para cultivar o espírito de renúncia.



As austeridades internas, também, se realizam de seis maneiras:


pela penitência e arrependimento pelos erros cometidos no passado devido a negligência e o descuido; 

mediante o cultivo da humildade e da conduta correta para com os ascetas, os anciãos, sábios, os santos, os mestres, etc;


servindo a humanidade, principalmente os ascetas, os pobres, os desvalidos, alimentando-os, protegendo-os e os ajudando de outras maneira para minorar-lhes o sofrimento;


mediante o estudo das Escrituras meditando sobre suas verdades e praticando-as; 


mediante o cultivo da discriminação entre Jiva e Ajiva e o correto e o incorreto;


meditando sobre objetos, imagens, pensamentos e ideias.



A tradição jainista reconhece quatro tipos de meditação (Dhyana): Arta, Roudra, Dharma e Sukla.


Arta Dhyana - é a meditação sobre um objeto que causa prazer.


Roudra Dhyana - é a meditação sobre objetos e memórias que criam sentimentos de raiva e vingança.


Dharma dhyana - é a meditação da natureza do Ser interior.


Sukla Dhyana - é a meditação sobre a pureza da alma.


Sanvar e Nirjara não são mutuamente excludentes.  Eles devem ser praticados simultaneamente, acelerando o processo de libertação.  São um meio pelo qual um jiva toma o controle de seu destino e trabalha para sua liberação, sem deixar isso ao acaso ou destino.  E ambos, do mesmo modo, têm que ser praticados com respeito, não só em relação ao mau carma, como, também, em relação ao bom carma; isso porque, carma de todo tipo e em todas as suas formas devem ser removidas da alma para que ela seja livre.




Moksha

No jainismo Moksha significa a libertação completa, a emancipação da alma individual de todo o carma acumulado - tanto o bom quanto o mau - impedindo o seu ingresso e removendo todos os seus vestígios.


Ao contrário da tradição hinduísta, não se alcança meramente através da realização de ações disciplinadas, ou ações sem desejos, ou através da aquisição de conhecimentos, mas somente pela eliminação física de todo o carma da alma.


Da mesma forma, ao contrário do budismo, não é alcançada por ter-se uma vida ética.  É alcançada quando a alma recupera a sua pureza, a onisciência e a perfeição mediante a eliminação de seu carma e suas obrigações.


Os textos jainas se referem a dois tipos de libertação: a mental (bhava) e a física (dravya).  A libertação mental surge quando a alma se libera dos quatro tipos de carma que ferem a alma (ghatiya karma) e que já foram mencionados anteriormente.  A libertação física surge quando a alma se libera dos carmas que não ferem a alma, mas influenciam o seu destino (aghatiya karma).

Com a libertação mental a alma está livre das impurezas que cobrem sua onisciência (kevala jnana).  A partir da libertação física experimenta bem-aventurança eterna.  Com o estado eterno e puro da onisciência e com a infinita alegria em si mesmo, a alma alcança, finalmente, a libertação completa (moksha) e escapa das armadilhas do nascimentos e mortes. Nesse estado ele vai para cima na mais alta esfera de "lokakasa" e entra na região "siddhasila" onde as almas livres e perfeitas residem.  Nesse estado um ser tem a mesma forma que os seres humanos sobre a terra, com Conhecimento correto, Visão correta e Conduta correta, mas sem a grosseria do corpo humano.

Moksha é o objetivo final e o mais alto para os jivas capturados no mundo moral.  Moksha é a realidade mais alta e final quando uma alma torna à sua perfeição e onisciência.

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