sábado, 18 de abril de 2015

JEJUM JAINA


O JEJUM DOS JAINISTAS




O jejum - ato de privar-nos de comida, bebida ou alguns outros itens por um período, curto ou longo, de tempo - é uma prática comum e consagrada em muitas religiões através dos séculos. Os jainistas, no entanto, levam o jejum para um nível bastante curioso e singular.

Qual a perspectiva jaina com relação ao jejum?

Antes há que se explicar a teoria jaina do carma.  Segundo os jainas, o carma não é simplesmente uma lei da natureza de causa e efeito, conforme apregoam algumas religiões e filósofos, mas um tipo de matéria.  Todos nós, seres vivos, temos uma massa corporal devido a um acúmulo de carma em nosso estado puro: a alma.  Partículas cármicas se acumulam em nossa alma por meio de ações, sentimentos e pensamentos que lidam com as paixões, os apegos, a falta de autocontrole, os medos, a ignorância, etc.  Portanto, todo o objetivo da filosofia jaina é ensinar como libertar os seres vivos dessas partículas para que, então, suas almas possam existir em seu estado puro - as siddhas.  Portanto, de acordo com as crenças jainas "siddhas" são almas liberadas que destruíram todas as partículas cármicas.  Elas residem em Siddha-Shila que está situado na parte superior do universo.

O jejum é, pois, para os jainistas uma ferramenta para atingir tal meta.  Ao restringir os nossos desejos de comida, de bebida ou outros itens, nós desmagnetizamos, por assim dizer, as nossas almas e, assim, reduzimos a atração de novos carmas.  O jejum é também um método de penitência para quem comete delitos contra a disciplina espiritual.  Jejuando o jainista pretende retomar o caminho da doutrina.  Monges, monjas, leigos e leigas, todos jejuam para controlar os desejos.  O jejum purifica o corpo e a mente.  Essa prática restaura a ênfase que Vardhamana Mahavira dava a renúncia e ao ascetismo. Mahavira passava meses jejuando e meditando.  Por isso não é suficiente para um jaina, quando em jejum, parar de comer; ele deve, também, parar de querer comer.  O jainista considera que controlar a mente é um objetivo muito importante. Assim sendo, se jejua e continua a desejar alimentos, o jejum é inútil.

Os jainistas são tão eficientes com relação aos jejuns que eles inventaram um sistema que descreve os vários tipos e como devem ser elaborados.  

Tipos de jejum:

- jejum completo - não se pode comer, nem beber água durante um tempo determinado.

- jejum parcial - deve-se comer menos do que se deseja.

- vruti sankshep - deve-se limitar o número de itens alimentares consumidos.

- rasa prityag - não se deve comer os alimentos favoritos.

- grandes jejuns - não comer por um longo período de tempo. Alguns monges jejuam durante meses seguidos, imitando Mahavira que jejuava por mais de 6 meses.


Alguns exemplos  de como devem ser elaborados:


Choviyharo Upavas - Privar-se de comida e água durante todo o dia.


Upavas - Privar-se de alimentos por todo o dia.


Digamber Upvas - Beber água apenas uma vez por dia, antes do pôr do sol.


Shwetamber Upvas - Beber água, desde que isso seja feito antes do pôr do sol.


Chaththa - privar-se de comida e água ou apenas comida durante 2 dias.


Aththama - Privar-se de comida e água ou apenas comida por 3 dias.


Masaksamana - Privar-se de comida e água ou apenas comida por um mês.


Porsi - Alimentar-se e beber água três horas após o nascer do sol.


Purimuddh - Alimentar-se e beber água seis horas após o nascer do sol.

Tivihar - após o pôr do sol não se pode comer, nem beber sucos, somente água.  Muitos jainistas praticam isso diariamente.


Santhara -   Privar-se de comida e água completamente até a morte.  Geralmente é realizado por alguém que tenha terminado de realizar todas as suas obrigações e deveres e deseja deixar este mundo em paz.


Estes são alguns poucos exemplos da forma como os jejuns jainistas são elaborados - a lista é enorme, pois a tradição jaina

admite mais de 40 tipos de jejum.

Outros fatos relevantes e curiosos à respeito dos jejuns jainistas devem ser considerados.  Vejamos o que escreve Agustín Pániker autor do livro El Jainismo, sobre o assunto:



JEJUNS


"Se, como dissemos páginas atrás, para o observador casual o culto aos jinas é a prática religiosa mais expressiva do jainismo, possivelmente, para o jainista a observância de determinadas restrições (pratyakhyana) e penitências (tapas) constitui a forma de prática externa mais significativa de todas. Invariavelmente, essas restrições tomam a forma de jejuns (posadhopavasa, uposatha, anasana).  Novamente, esta atividade é comum a laicos e ascetas, para os quais, esta, é mais uma das obrigações rituais.  Para os primeiros é uma das atividades em que se sentem verdadeiros "sramanas", cujo objetivo é o de queimar o "karma" - não  o de adquirir bom "karma".  Tanto é assim, que a maioria dos jainistas considera o jejum como uma forma superior de prática espiritual, acima, até, do culto no templo.  Por esse mesmo motivo, o termo que mais se utiliza para jejum é "tapas".  O costume jainista de jejuar está atestado, inclusive, nos textos budistas mais antigos.

Dado que os alimentos fazem parte essencial da prisão cármica, já que são responsáveis pela construção de nosso corpo, é bastante lógico que o jainismo propendeu a fazer da restrição alimentar uma de suas práticas mais habituais.  Além do mais, não deixa de ser uma forma de distanciar-se do "ethos"(costumes de um povo) bramânico para o qual o alimento e a alimentação são questões sagradas.  Dentro do jainismo, inversamente, a comida tem uma reputação péssima. Lawrence Babb menciona que um de seus informantes em Ahmadabad dizia, sem ponta de ironia, que "deveríamos comer com lágrimas nos olhos por causa das criaturas que tem que morrer quando nos alimentamos".  Os alimentos são perniciosos - é a busca de alimentos a raiz de toda a violência do "sansara" (fluxo de renascimentos através dos mundos) - constituem o mundo da atadura de forma concentrada.  A abstinência pode chegar, inclusive, a ser completa, com o jejum final (santhara), porém, isso falaremos no capítulo 31.  


O voto do jejum pode tomar múltiplas formas.  Pode tratar-se, simplesmente de não comer ou beber até passados 48 minutos depois do nascer do sol, como quando se realiza o rito de confissão.  Ou pode tomar a forma de um jejum de vários dias que se repetirá anualmente durante sete, dez ou quinze anos.  A tradição reconhece uns quarenta tipos de jejum.  O devoto escolhe.  É muito frequente tomar o voto de jejuar, parcial ou completamente, por causa dos dias denominados "parvan" (dias considerados muito auspiciosos, quando a lua muda de fase), durante determinados festivais e com propósitos particulares.  Os jejuns são mais frequentes durante os meses de monção (meses de chuva), quando os ascetas se sedentarizam e há mais interação e convívio entre eles e a comunidade laica.  É frequente, então, o laico ou a laica   tomar o voto de jejuar por estar em presença de um asceta.  Na verdade a confissão, a benção e o aconselhamento com o asceta não são obrigatórios.  Ele pode tomar o voto de forma privada - frente a uma imagem do jina ou uma outra representação do asceta -, ou unir-se a um grupo com o mesmo propósito.  O que importa é que se realize o voto com a declaração de intenções. do contrário o jejum será infrutífero.  Os jejuns coletivos necessitam de um patrocinador da comunidade que financie o ritual.


A maioria desses jejuns são parciais.  James Laidlew escreveu que no jainismo o jejum é, frequentemente, uma forma de se alimentar.  Nesses casos, geralmente, trata-se de uma refeição por dia e, ainda assim, muito frugal.  O que importa é que a alimentação se converta em atividade religiosa.  E já que se trata de um não-alimentação, é também uma não-ação. E a inação é, na linguagem jainista, a forma mais elevada e segura de eliminar "karma".  O jejum pode contribuir para se ter mérito religioso (punya), sem dúvida; porém o que a comunidade valoriza é a possibilidade de queimar "karma", isto é, o seu valor soteriológico (salvacionista).  E para que assim seja, é imprescindível a atitude mental (bhava) de desapego, equanimidade e pureza.


O jejum é, portanto, a forma externa que mais distingue os jainas de seus vizinhos.  Embora no hinduísmo os jejuns façam parte da prática religiosa, e de fato o termo sânscrito "uposatha" já se referia ao jejum que os antigos védicos realizavam antes de um sacrifício, de modo algum esta prática está tão estendida, é tão frequente e é tão prolongada como entre os jainistas.  Tampouco possui as mesmas conotações.  O jejum jaina, por exemplo, celebra o que teve de realizar Rishaba (também conhecido como Adinatha, foi o fundador do jainismo e o primeiro dos vinte e quatro Tirthankaras - os mestres que estabeleceram os ensinos jainas) quando se converteu no primeiro renunciante deste ciclo cósmico. Ao tempo de Rishaba as pessoas não sabiam como oferecer alimento a um asceta e lhe ofertavam joias, tesouros e ricos manjares.  Rishaba teve que jejuar durante seis meses até que um laico, milagrosamente, sonhou ter visto monges jainistas numa vida passada (sem dúvida, no ciclo cósmico anterior)  e passou a dar-lhe os alimentos corretos e de forma apropriada. Rishaba pode, então, romper seu jejum.  Imitando esse gesto, um dos jejuns mais comuns do jainismo dura um ano inteiro e intercala um dia de jejum total com outro de jejum parcial.  O jejum é finalizado com as festividades da Akasaya Tritya. Dessa forma os jainas reproduzem o tipo de ascetismo praticado em eras mais virtuosas, replicam o esforço sobre humano dos grandes heróis do passado.  A meta da libertação preside a maioria dos jejuns jainistas.  Os laicos são muito conscientes de que seus jejuns são a expressão mais fiel e profunda do valor do "tapas" (penitências).


Um jejum normal é mais ou menos assim: após um desjejum, devidamente, purificado, o laico ou laica irá até uma sala de jejum da comunidade (posadha-sala) que já existe para esse fim.  Permanece ali um dia e meio ou dois, que é um espaço de tempo típico de muitos jejuns.  Dormirá pouco, recitará os "mantras" sagrados e lerá as escrituras.  Embora, geralmente, o jejum seja feito coletivamente o laico ou laica tem que conservar o silêncio e a meditação.  A intenção é imitar a conduta dos ascetas.  Este aspecto está perfeitamente refletido na utilização do espanador - um dos pouquíssimos utensílios que portam os ascetas, símbolo do seu empenho pela "ahimsa" (não violência) - e que o devoto utiliza para desempoeirar, cuidadosamente, o tapete onde se sentará.  É frequente que o jejum seja complementado com rezas coletivas no templo (puja) e confissão aos ascetas; deve-se ouvir, também, os discursos religiosos ministrados pelos monges (pravacanas). Depois o laico ou laica irá para sua casa, realizará o culto ao"jina", doará alimento à algum asceta e romperá o jejum. Essa participação dos laicos no ideal monástico fortaleceu muito os laços entre ambas as comunidades.


A prática do jejum é seguida com particular afinco pelas mulheres.  O jejum é a melhor expressão de pureza, moralidade e castidade da mulher jainista.  Como disse Josephine Reynell " o álbum de fotos dos jejuns vem a seguir ao álbum de fotos da celebração do casamento".  Os jejuns servem para mostrar que a dama é controlada e mantem a honra sexual depois do matrimônio.  Os jejuns durante a "purnima" ou lua cheia (o dia de "purnima" é o dia em cada mês em que a lua cheia ocorre, e marca a divisão em cada mês entre as duas quinzenas lunares) são tão habituais que para muitas jainistas são quase que "obrigatórios".  O mesmo se pode dizer de certos jejuns durante os festivais.  Para muitas mulheres o jejum chamado Rohini-tapas (três dias ao mês de jejum total que se prolonga durante sete anos e sete meses) é sinônimo de atividade religiosa.  É praticamente impossível falar de um, ou uma jainista que não tenha uma certa experiência em jejuar.  E no caso das mulheres o ato tem mais relevância, já que são elas quem - sem poder provar a comida que preparam e sem poder beber água - cozinham e servem os alimentos para os demais membros da família que, no momento, não seguem nenhum jejum.  Como resume Paul Dundas, "para as mulheres, o jejum não é apenas uma questão privada, nem uma imposição como forma de penitência para expiar a má conduta. Mais do que isso, ao tomar um voto que implica em algum tipo de jejum, para elas, isso é a mais significativa de toda uma série de práticas religiosas, pois o fazem de bom grado". Frequentemente esse voto de jejum é sugerido por um asceta, asceta esse, que confirmará a seriedade de seu empenho e, por extensão, a de seus familiares, diante da religião jainista."


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