sexta-feira, 24 de abril de 2015

RESUMO DO JAINISMO - por Gilson Moura Castro




RESUMO DO JAINISMO

Texto extraído do livro RELIGIÕES NO BRASIL de Gilson Moura Castro




JAINISMO - O jainismo ou jinismo é uma das religiões mais antigas da Índia, juntamente com o hinduísmo e o budismo, compartilhando com este último a ausência da necessidade de Deus como criador ou figura central.  

Considera-se que a sua origem antecede o Bramanismo, embora seja mais provável que tenha surgido na sua forma atual no século V a.C., em resultado da ação religiosa do Mahavira.  


Vista durante algum tempo pelos investigadores ocidentais como uma seita do hinduísmo ou uma heresia do budismo, devido à partilha de elementos comuns com estas religiões, o jainismo é contudo um fenômeno original.  


Ao contrário do budismo, o jainismo nunca teve um espírito missionário, tendo permanecido na Índia, onde os jainas constituem hoje cerca de menos de 10 milhões de crentes. Pequenas comunidades de jainas existem também na América do Norte e na Europa, em resultado de movimentos migratórios.


A palavra jainismo tem as suas origens no verbo sânscrito jin que significa "conquistador".  Os seus adeptos devem combater, através de uma série de estágios, as paixões de modo a alcançar a libertação do mundo.  Sua visão básica é dualista. A matéria e a mônada vital ou jiva são de naturezas distintas, e durante sua vida o ser vivente (seja humano ou animal) tinge sua mônada como resultado de suas ações.  Para se purificar, esta religião propõe um extremo ascetismo e o colocar em prática a doutrina da não-violência ou ahimsa.  


Seguntos os historiadores da religião, o jainismo estabeleceu-se na Índia em meados do primeiro milênio a.C..  O seu fundador foi o Mahavira, existindo duas propostas para o período em que viveu: 599 a.C. - 527 a.C. (data tradicional apontada pelo jainismo) ou 540 a.C. - 470 a.C. (segundo os acadêmicos). Nasceu perto de Patna, naquilo que é hoje o estado de Bihar. Foi um contemporâneo do Buda, tendo pregado na mesma região geográfica, embora não conste que os dois mestres se tenham alguma vez encontrado.  Pertencia a casta dos guerreiros (xátrias), casou, viveu no luxo até que por volta dos trinta anos tornou-se um mendigo errante.  Entregou-se a longos processos ascéticos até obter a iluminação, tendo consagrado os restantes trinta ou quarenta anos da sua vida a pregar a sua doutrina.  Faleceu em Pavapuri, no Bihar, que é desde então um dos principais locais de peregrinação jaina.  


De acordo com os jainas, a sua religião é eterna, tendo sido a doutrina revelada ao longo de várias eras pelos Tirthankaras, palavra que significa "fazedores de vau", ou seja, alguém que ensinou o caminho.  Os Tirthankaras foram almas nascidas como seres humanos que alcançaram a libertação (mokha) do ciclo dos renascimentos através da renúncia e que transmitiram os seus ensinamentos aos homens.  Na presente era existiram 24 Tirthankaras.  O último desses Tirthankaras foi o Mahavira, que os jainas não consideram como o fundador do jainismo, mas, antes, aquele que lhe deu a sua forma atual.  


O 23º Tirthankara foi Parshva, que os historiadores consideram ter sido provavelmente uma figura histórica que viveu cerca de três séculos antes do Mahavira.  Os jainas acreditam que Parshva pregou os 4 grandes princípios do jainismo, a saber: não-violência (ahimsa), evitar a mentira, não se apropriar do que não foi dado e não se apegar às posses materiais; o Mahavira acrescentou o princípio da castidade.


Os jainas encontram-se divididos em dois grupos principais: os Digambara ("Vestes de céu") e os Svetambara (ou Shvetambara, "Vestes brancas").  Cada um destes grupos encontra-se por sua vez dividido em vários subgrupos.  A maioria dos jainas pertencem ao grupo Svetambara.  


A origem destes dois grupos situa-se no século I d. C. (ou talvez no século III d.C, segundo alguns autores) e deve-se a disputas em torno dos textos que devem constituir as escrituras do jainismo.  Os Svetambaras consideram que as suas escrituras estão mais próximas dos ensinamentos originais do Mahavira, enquanto que os Digambara rejeitam uma parte considerável dessas escrituras.  Os Digambara consideram igualmente que a renúncia pregada pelo Mahavira implica para os monges a nudez total e que as mulheres devem primeiro renascer como homens para poderem atingir a libertação.  


Ao nível da geografia, os Digambara concentram-se no sudoeste da Índia e os Svetambaras no noroeste (estados de Gujarate, Rajastão e Madhya  Pradesh). 


As estátuas dos dois grupos são também diferentes: os Tirthankara dos Svetabara possuem roupas e uma decoração mais rica, enquanto que as dos Digambara estão nuas; estas diferenças fazem com que um adepto dos Digambara não possa praticar o culto num templo Svetambara. 


Os jainas consideram que o tempo é infinito e cíclico.  Ele é visto como uma grande roda dividida em duas partes idênticas: uma realiza um movimento ascendente (Utsarpini), enquanto que  a outra um movimento descendente (Avasarpini).  Cada uma dessas partes divide-se em seis eras (ara).  Durante o período ascendente os seres humanos progridem ao nível do saber, estatura e felicidade, enquanto que o período descendente caracteriza-se pela degradação do mundo, pelo esquecimento da religião e pela perda da qualidade de vida pelos humanos.  


Segundo os jainas, vivemos atualmente num período de movimento descendente, numa era de infelicidade (Dukham Kal), que começou há 2500 anos e que durará 21 mil anos.




O Universo e os Cinco Mundos


Segundo o jainismo, o universo divide-se em cinco mundos, sendo cada um deles habitado por determinado tipo de seres. O universo é eterno, não tendo sido criado por nenhum ser superior.


No topo do universo está a morada suprema (siddhashila), que é o local onde habitam as almas que alcançaram a libertação (estas almas são denominadas Siddhas).  Abaixo encontram-se trinta céus, habitados por seres celestiais, alguns dos quais caminham para a morada suprema.


O mundo médio (madhyaloka) inclui vários continentes separados por mares.  No centro deste mundo encontra-se o continente Jambudvipa, considerado o único continente no qual as almas podem alcançar a libertação.  Os seres humanos habitam este continente, bem como um segundo continente ao lado deste e parte do terceiro continente.


O mundo inferior (adholoka) consiste em sete infernos, onde os seres são tormentados por demônios e onde se atormentam uns aos outros.  Abaixo do sétimo inferno encontra-se a base do universo (nigoda), habitada por inúmeras formas inferiores de vida.



Karma


À semelhança do hinduísmo e do budismo, o jainismo partilha da crença no karma, embora de uma forma diferente.  O karma no jainismo não é apenas um processo em que determinadas ações produzem reações, mas também uma substância física que se agrega a uma alma.  As partículas de karma existem no universo e associam-se a uma alma devido às ações dessa alma (por exemplo, quando uma alma mente, rouba ou mata esta provoca a agregação de karma na sua alma).  A qualidade e a quantidade dessas partículas determinam a existência que a alma terá, a sua felicidade ou infelicidade.  Só é possível a uma alma alcançar a libertação quando desta se retirarem todas as partículas de karma. 


O processo que permite a libertação das partículas de karma de uma alma denomina-se nirjara e inclui práticas como o jejum, o retiro para locais isolados, a mortificação do corpo e a meditação.  Os seguidores do jainismo utilizam para isso um ritual mortuário chamado Sallekhana (também conhecido como Santhara, Samadhi-Marana, Samnyasa-Marana), que consiste em praticar o suicídio através do jejum.  Devido  à natureza prolongada da sallekhana, é dado tempo ao indivíduo suficiente para refletir sobre sua vida e pedir perdão dos seus pecados aos deuses.  O voto de sallekhana é tomado quando se sente que a vida tem servido ao seu  propósito.  O objetivo é limpar  karmas antigos e impedir a criação de novos.  Existe uma prática hindu similar conhecida como Prayopavesa.  De acordo com a revista Press Trust of Índia, em média, 240 jainistas praticam sallekhana a cada ano na Índia.


O jainismo considera a vida monástica como o ideal de vida dos seres humanos.  Entre os Svetambara a entrada na vida monástica é autorizada aos dois sexos a partir dos sete anos, mas realiza-se em geral numa idade mais avançada.  O noviço deve abandonar todos os seus bens;  por altura da sua ordenação (diksa) a sua cabeça é raspada e ele toma os cinco votos, que segue numa versão mais rigorosa do que a dos leigos (mahavrata).  


Os monges jainas levam uma vida itinerante, com exceção da época das monções, altura que se recolhem numa determinada localidade.  Dependem para a sua alimentação da caridade fornecida pelos leigos jainas, a quem oferecem em troca assistência espiritual.


Os monges do ramo Svetambara podem ser donos de pequenas coisas, como uma fina veste branca, uma tigela onde recebem os alimentos dos leigos e uma máscara de tecido usada sobre a boca (mukhavastrika), cujo objetivo é evitar a ingestão involuntária de pequenos insetos.  Os monges Digambara interpretam o preceito do desapego de uma forma bastante rigorosa e por esta razão não usam roupas; as monjas deste ramo usam uma veste branca.  Os monges Digambara não possuem uma tigela e usam as mãos como recipiente dos alimentos.  Os monges Svetambara costumam se deslocar em pequenos grupos de cino ou seis monges, enquanto que os Digambara geralmente viajam sozinhos.


Todos os monges devem seguir as três regras que evitam a conduta incorreta (guptis: ter cuidado com os pensamentos, as palavras e as ações).


Entre os Svetambara o número de monjas ultrapassa o de monges.  As monjas Digambara aceitam a doutrina que afirma que para se avançar no caminho espiritual é necessário nascer com um corpo masculino.


Os jainas que não são monges devem observar oito regras de comportamento e devem tomar doze votos.  As oito regras de comportamento variam, mas em geral incluem a pratica absoluta e irrestrita de Ahimsa (não-violência) que tem seu ponto forte na alimentação: não comer carne de nenhum tipo, não comer certos vegetais (cebola e alho, por exemplo) e não usar nenhum produto de origem animal.  Outras regras incluem não se alimentar à noite, não ingerir bebidas alcoólicas nem substâncias consideradas alteradoras da consciência (cafeína, teobromina) e praticar a caridade a todos os seres vivos.  Ler sobre as qualidades transcendentais dos Tirthankaras e recitar o Navkar Mantra também fazem parte das principais práticas diárias.



Quanto aos doze votos, eles podem ser divididos em três classes:


- Anuvratas - são os cinco votos principais: abster-se de atos violentos, não mentir, não roubar, não cobiçar o parceiro de outra pessoa e limitar as possessões pessoais;


- Gunavratas - são três votos que reforçam os cinco votos principais: restringir as atividades pessoais a uma área limitada, restringir práticas que proporcionam prazer (bhogopabhogavrata), evitar atos que causam sofrimento (anarthadndavrata);


- Siksavrtas - são quatro votos de disciplina espiritual: meditar, limitar determinadas atividades a certos momentos, adotar a vida de um monge por um dia, fazer donativos aos monges ou aos pobres.


Uma das principais formas de culto dos jainas é prestar homenagem às estatuas dos Tirthankaras.  Os jainas lavam as estátuas e dedicam-lhe oferendas, como mel, flores, arroz, etc.  

Alguns grupos jainas, como os Sthanakavasis e os Terapanthis , são contra o culto de imagens. O crente não adora a estátua em si, mas antes as qualidades associadas a ela, de modo a receber inspiração para seguir o mesmo caminho.  As estátuas podem ser adoradas nos templos ou então em pequenos santuários existentes nas casas.  São representadas em posição de meditação, sentadas ou em pé.

Não é possível estabelecer qualquer forma de contato com os Tirthankaras através desta forma de culto, uma vez que estes, tendo alcançado a libertação, ficam fora do contato humano, contudo, durante a Idade Média cada Tirthankara foi associado a uma deusa protetora, em relação às quais se desenvolveram formas particulares de devoção.  As deusas mais importantes são Ambika (associada ao 22º Tirthankara, Arishtanemi), Padmavati (associada a Parshva), Lakshmi e Sarasvati.


As orações jainas fazem referência aos grandes atos dos Tirthankaras e aos ensinamentos do Mahavira, sendo ditas num antigo dialeto do Bihar, o Aedha Magadhi.  A principal oração é o Namaskara Sutra, através do qual o jaina presta homenagem às qualidades dos cinco grandes seres do jainismo.


O ato de fazer doações para a construção de templos é também considerado uma forma de culto, assim como a prática de peregrinações.


Os principais festivais do jainismo são:


- Mahavira Jayanti - decorre  em março ou abril e celebra a data do nascimento do Mahavira.  Neste dia estátuas do Mahavira são levadas em procissões pelas ruas e os jainas reúnem-se nos templos pra ouvir a leitura dos seus ensinamentos.


- Paryushana - durante o mês de Bhadrapada (agosto-setembro os membros do ramo Svetambara do jainismo celebram um dos seus festivais mais importantes, Paryushna.  Este festival está dedicado ao perdão e consiste na prática do jejum durante oito dias.  No último dia do festival (Samvatsari) os jainas pedem perdão uns aos outros por ofensas que possam ter causado: aqueles que conseguiram jejuar durante os oito dias seguidos são levados para os templos em procissão.  O festival equivalente na tradição Digambara denomina-se Dashalakshanaparvan,  e para além da prática do jejum, é lido nos templos um importante texto, o Tattvartha-sutra.


- Divali (festa das luzes) - celebração comum a toda a Índia, é para os jainas a comemoração da altura em que o Mahavira deu os seus últimos ensinamentos e alcançou a libertação. Ocorre no mês de Kaartika, que corresponde no calendário gregoriano a outubro-novembro.


- Kartik Purnima - ocorre no dia de lua cheia do mês de Kaartika.  Após terem permanecido numa determinada localidade durante os meses da monção, os monges e monjas jainas regressam à vida errante, sendo por vezes acompanhados por leigos no percurso que fazem para outro local.  Neste dia muitos jainas realizam a peregrinação aos templos de Palitana, no estado indiano do Gujarate.


- Mastakabhisheka - A cada doze anos os jainas (principalmente os do ramo Digambara) reúnem-se no santuário de Shravana Belgola no estado de Karnataka, onde se encontra uma estátua de dezessete metros de altura (estátua de Bahubali - de acordo com o jainismo, Bahubali foi o segundo dos cem filhos do primeiro Tirthankara, Rishabha) que é alvo de libações com água, mel, leite, flores, preparados de ervas e especiarias.  


O jainismo dá mais ênfase a suástica do que o hinduísmo. Representa o sétimo jina (santo), o Tirthankara Suparsva.  É considerada uma das 24 marcas auspiciosas, emblema do sétimo arhat dos tempos atuais.  Todos os templos jainistas, assim como os livros santos jainas, contêm a suástica.  As cerimônias jainistas começam e terminam com o desenho da suástica feito várias vezes em volta do altar.



4 comentários:

  1. Maravilhoso! Nunca pare de postar nesse blog! Seus conhecimentos são muito importantes pra humanidade!

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  2. Muito bom, uma fonte de conhecimento muito sólida.

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